Quem frequenta os Jardins, em São Paulo, na temporada comercial mais quente do ano, a pré-natalina, encontra as vitrines repletas de objetos de desejo inacessíveis aos comuns mortais. Desta vez, destaca-se entre a rua Oscar Freire e a rua Bela Cintra, uma autêntica vitrine-instalação, em verde cromaqui, ostentando um aspirador de pó da marca VON HA inc., adornado com um laço vermelho, indicando ser este o presente ideal para o seu natal. O público de arte não se engana em ver aí uma sugestão de metamorfose entre as Brillo Boxes, Andy Warhol, e a série New Hoover Celebrity, de Jeff Koons. Mas o que vêem os flâneurs desavisados e excitados com o consumo de luxo das ruas mais caras da cidade?
Diretamente das páginas do Instagram, onde tem realizado séries recentes de trabalhos, o artista Gustavo Von Ha propõe um espaço autogerido para comercializar suas obras de arte sem intermediação de galeria. Em extensão à sua iconoclasta marca registrada VON HA inc. – e-commerce no site do artista www.von-ha.com –, nasce uma loja pop-up que não é exatamente o que parece. Estamos falando aqui de uma dupla intervenção: sobre o tecido urbano do comércio de luxo e sobre o sistema de arte, que afinal opera no mesmo tecido urbano de comércio de luxo.
Se no mercado de arte vende-se tudo – mesmo o que desejava manter-se incomercializável, como performances, vídeos, games, arte digital ou intervenções urbanas –, por que não chamar de arte as velas aromáticas “Videogame”, que o artista elaborou durante seis longos e compenetrados meses, usando notas de laranja amarga, caramelo e um aroma plástico especialmente produzido a partir dos cheiros das balas que ele chupava quando jogava videogame? Por que não chamar de intervenção urbana uma loja pop-up?
Democrática, a loja tem itens para todos os bolsos. Desde um boné “Fui na sua exposição e odiei”, por R$ 120; uma caneca “Esquerda Caviar”, por R$ 80; até telas e esculturas, como VLNGO (Vaso Maragogipe), de 2017, que, como diz a etiqueta, “fez parte da 11ª Bienal do Mercosul” e custa R$ 40 mil; ou “”Ilustração Para Pau Brasil 80% (20011), do projeto T.L de imitações distorcidas de obras de Tarsila do Amaral e que, nos idos anos 2010, eram vendidos na Galeria Leme. Aqui, pelo preço de R$ 35 mil. “Tudo exposto, claro e cristalino”, comenta Von Ha à seLecT_ceLesTe.
“Em tempos de crise da crítica (e quando ela não esteve em crise? Dada sua história, a crítica nasceu em crise!), e debates absolutamente saudáveis, e mesmo necessários, sobre sua ausência como agência reguladora do mercado de arte, Gustavo Von Ha adota o humor para olhar essa cena que se leva tão a sério. Ele parece dizer: a crítica não morreu… ela se transformou num boné!”, diz a curadora Ana Avelar à seLecT_ceLesTe.
O artista assume, com sarcasmo e deboche, o que há de vulgar no sistema de arte – e que idealmente deveria ser dele descartado, como um produto de segunda linha: valores camuflados, triagem de compradores, opacidade nas relações de interesse e poder. Afinal de contas, não seriam todas as galerias, lojinhas?
Serviço
VON HA inc.
Loja pop-up, até 1/12, de domingo a domingo, Espaço Oscar 900, Rua Bela Cintra 2102, São Paulo
e-commerce: www.von-ha.com