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Postado em 11/03/2025 - 5:03
A luz do desvio se propaga em linha reta
Leia o Manifesto Editorial de celeste #5 - Desvio

Percorrer uma cidade orientando-se com o mapa de outra é uma das mais sensoriais práticas situacionistas para romper hábitos e impulsionar o inesperado. Embora esta celeste #5 não traga mapas – fazemos um breve intervalo da série “Guia Turístico de Rios e Córregos de São Paulo”, que será retomada na celeste #6 –, seguimos com a nossa pesquisa sobre as relações entre arte, espaços públicos, águas urbanas e clima e, mais uma vez, atualizamos um conceito do movimento Internacional Situacionista (1957-1972), utilizando-o como uma cartografia de orientação para a pauta.

Ao escolher três palavras situacionistas para nomear as três primeiras edições da série – deriva, psicogeografia e, agora, desvio –, estamos interessadxs em pensar que tipo de relações estabelecemos, como coletivos ou como indivíduos, com as cidades e os cursos d’água soterrados por elas; que afetos estão envolvidos nos usos que fazemos dos espaços públicos que habitamos ou queremos habitar.

Hoje, no contexto de uma sociedade muito mais “espetacular-mercantil” do que há 50 anos, quando atuavam os situacionistas, a busca por uma “cidade não como mero suporte do trabalho e do consumo, mas como um vasto campo de possibilidades, no qual encontros e associações inusitados poderiam emergir” é, segundo Gabriel Zacarias em texto escrito para a seção Coluna Móvel, o que confere atualidade a essas proposições. Instrumento de disputa de sentidos, arma na batalha das representações, artilharia contra a mercantilização da arte, crítica da alienação, prática pela superação da arte. Essas definições possíveis de desvio (détournement) estão insinuadas nos conteúdos desta edição.

Se, por um lado, o desvio se arma das estratégias do plágio, da cópia, da pirataria e da falsificação – exploradas na curadoria Hipercapitalismo Pirata, de Yuri Sugai, e no estudo de caso que Ian Uviedo realiza de A1-53167 –, por outro, reforça a necessidade da ficção e da invenção de outras práticas de vida – além das correntes, vendidas em relações de produção. Assim, nesta celeste #5 – Desvio, uma reportagem ganha feição de ficção policial, uma curadoria torna-se um exercício especulativo e um texto crítico é tingido por tintas testemunhais. Caso do estudo de caso de Mateus Nunes sobre as fotografias de Paula Sampaio, que analisam os impactos socioambientais de grandes projetos extrativistas como a represa de Tucuruí, no Pará.

Um desenho escrito produz memória do que se apagou?

A pergunta desviante que Juliana Monachesi faz sobre a estratégia de Lenora de Barros de lidar com conflitos entre palavra e imagem ainda se aplica às respostas que os colaboradores da edição dão à retificação de um rio. “Rever”, “reagir” e “reinventar” são desvios propostos por “ledebe” ao histórico de estrangulamento do Pinheiros – estudo de caso do projeto Águas Abertas de proposições urbanas, para o qual a artista foi convidada e com o qual se relaciona esta série de edições da celeste.

Os trabalhos da terceira edição da Residência Arte Celeste também se orientaram para os mecanismos responsáveis por fazer do Pinheiros uma linha reta a serviço da urbe. Convidamos a artista Dora Longo Bahia, o escritor Bruno Belém e o comunicador Victor Moriyama a explorar as forças retificantes das usinas elevatórias de Traição e Pedreira e da Usina Hidrelétrica Henry Borden, que compõem o complexo de controle e instrumentalização das águas metropolitanas de São Paulo. Por caminhos desviantes, todos chegam à frase de Guy Debord e Gil Wolman no Manual de Instruções do Desvio (1956): “A luz do desvio se propaga em linha reta”.

Boa leitura.