ÁGUA PRETA (PE). Destaque em exposições em Veneza, como a Glasstress (2019), e a Unbreakable Woman In Glass (2020), a obra Banquete da Terra, da veterana Denise Milan, uma das pioneiras do movimento paulistano de arte pública, passa a integrar o acervo da Usina de Arte. O trabalho agora compõe um conjunto de 35 criações instaladas no parque artístico botânico montado a partir das ruínas de uma antiga usina de açúcar, localizado no município pernambucano de Água Preta, a 128 quilômetros do Recife.
“Num momento no qual ninguém pode se sentar junto, esta instalação convida à aproximação; num tempo pandêmico onde os laços se fragilizam e podem ser quebrados, ela propõe uma costura. Além do zeitgeist, a transmutação de espaços também amplia o sentido da obra”, diz a artista, que realizou um rito em forma de performance para entrega da instalação à Usina na tarde de 18/9.
Sob os versos emitidos por um auto-falante de seu poema Petrafagia, embrião textual da obra, a artista emulou, durante a ação, a cocção de um caldo de magma açucarado na boca de um vulcão. Cristalizado, o açúcar foi depositado no banquete. “Uma forma de devolver à terra o que ela nos deu”, diz.
Na instalação, estruturada em torno de uma mesa – espaço das refeições cotidianas e das dinâmicas afetivas –, estão servidos pratos elaborados a partir de ingredientes “da terra”: cristal, pirita, amonita, ouro, prata e bronze, trabalhados em diversas texturas. “É uma mesa planetária, que evoca a Terra”, segue. “Um espaço-tempo aberto ao convívio, onde o diálogo ainda é possível, e inspirado pelos mistérios e saberes da natureza”, registra Denise Milan, que há mais de 40 anos tem as pedras como catalizador de sua poética. “Antes de sermos biologia, fomos pedra. Observe: as pedras estão há bilhões de anos em cocção profunda para que a terra possa nos fornecer o alimento que viabiliza a existência”.
Instalado onde funcionou a Usina Santa Terezinha, antiga maior produtora de álcool e açúcar do Brasil nos anos 1950, o projeto Usina de Arte é um museu de arte contemporânea ao ar livre, dentro de um parque botânico de 33 hectares. Ali, estão instaladas mais de 35 obras de nomes como Geórgia Kyriakakis, Saint Clair Cemin, José Spaniol, Paulo Bruscky e Juliana Notari, cuja obra “Diva”, escultura campal de uma ferida-vulva aberta na montanha, tem provocado repercussões mundiais desde sua instalação, há um ano.