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Frame de Nhonhô (2021), de Giselle Beiguelman e Ilê Sartuzi (Foto: Divulgação)
Postado em 08/03/2021 - 11:45
A revisão de um passado contínuo
Nhonhô, obra digital de Giselle Beiguelman e Ilê Sartuzi, inaugura canal do Videobrasil on-line

O primeiro projeto do Videobrasil de obras para o ambiente digital tem sua inauguração com Nhonhô, colaboração entre os artistas Giselle Beiguelman e Ilê Sartuzi. O programa, que foi batizado com o nome Estreias, começa, curiosamente, com uma revisão crítica do passado colonial brasileiro e suas consequências no presente.

Em Nhonhô, Beiguelman e Sartuzi recriam por meio da fotogrametria o casarão do barão do café Carlos Leôncio de Magalhães, em São Paulo. Localizada no bairro de Higienópolis, cujo nome significa “literalmente a cidade da higiene”, como consta no vídeo, a mansão possui uma arquitetura eclética inspirada nos palacetes franceses, com obra iniciada em 1927 e finalizada em 1939.

Realizado digitalmente a partir de material de arquivo, Nhonhô se refere à maneira como os escravizados se referiam a seus donos, em uma série de contradições entre a forma diminutiva, que implica afetividade, e a violência imposta a esses sujeitos. Ao trazer essa história para o presente, Beiguelman e Sartuzi conectam os fantasmas do passado colonial às novas concentrações de poder. A intensa movimentação de entregadores de aplicativos, nova categoria explorada no mundo neoliberal, neste bairro de classe média alta que permite grande adesão ao isolamento, é apenas um exemplo das violências do tempo presente.

Frame de Nhonhô (2021), de Giselle Beiguelman e Ilê Sartuzi (Foto: Divulgação)

Atualmente, a mansão também abriga a nova sede  do Paço das Artes, instituição que passou mais de 20 anos em um espaço cedido na USP e flutuou entre exposições na Oficina Cultural Oswald de Andrade e uma pequena área no Museu da Imagem e do Som até finalmente se instalar no casarão atual, o que ocorreu no início de 2020. Ao alinhar o contexto histórico do palacete com o fato dele abrigar hoje uma instituição de arte, Beiguelman e Sartuzi também propõem uma reflexão sobre o campo artístico, suas fragilidades institucionais e dependências das esferas privadas.

O vídeo, com seu aspecto fragmentário de colagem, busca recriar esse passado feito de registros incompletos. A trilha sonora soturna e ruidosa, contrasta com o movimento de câmera fantasma e as imagens que variam de frames arquitetônicos a elementos flutuantes vindos dos efeitos da fotogrametria. Por fim, uma legenda narra a história do casarão, as transações econômicas implicadas em seu desenvolvimento e os extrativismos de toda ordem, mapeando a mentalidade tacanha que guiava (ainda guia?) as elites do país.

Em uma paleta que varia de um cinza quente, pesado, aos ocres pontuados por falhas cromáticas vindos da renderização das imagens, o trabalho tem como mérito seu esforço mnemônico de não apenas registrar a história, mas elaborar conexões entre o passado e o presente. “Nhonhô é a biografia possível de um palacete que atesta o delírio europeizante e o isolamento social da elite paulista do início do século 20”, escreve a curadora Solange Farkas em seu texto de apresentação. 

Serviço
Nhonhô
videobrasil.online
De 8 a 31/3