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Água, de Raquel Kogan e Rejane Cantoni (Foto: Divulgação)
Postado em 30/03/2021 - 1:17
A um clique
Com curadoria de Daniela Bousso, exposição Naturezas Imersivas aposta em uma interação intermediada pelo mouse
Nina Rahe

Após meses de montagem, a exposição Naturezas Imersivas foi inaugurada no segundo andar do Farol Santander, em Porto Alegre. No momento, o que o público pode ver, no entanto, é a versão on-line da mostra, uma vez que o centro cultural se encontra fechado por conta do avanço da Covid-19 no país. 

Vista da exposição Naturezas Imersivas (Foto: Leopoldo Plentz)

Para pensar a exposição, que foi idealizada para ser presencial, com pesquisa e conceituação em processo quando a pandemia chegou ao Brasil, em março de 2020, a curadora Daniela Bousso precisou levar em conta o fato de que o acesso on-line poderia ser a única maneira de visitar a mostra. Isso levou-a a seguir adiante – de forma paralela – com a montagem física, mas também virtual. “Há muito tempo eu trabalho com a ideia de realizar exposições na internet, só que ninguém me dava bola. Ninguém estava preparado para mudar do espaço físico presencial para o espaço líquido das redes”, diz Bousso que, em janeiro deste ano, foi diagnosticada com Covid-19 e ficou 15 dias internada. 

Após sua internação, o consequente agravamento da pandemia foi motivo para que a exposição fosse montada de forma remota, com produção, artistas e curadoria realizando trocas de modo virtual. No que se refere à experiência on-line, pode-se dizer que houve um desafio ainda maior: o fato dos quatro artistas participantes – Ricardo Siri, Katia Maciel, Rejane Cantoni e Raquel Kogan – terem na interação com o público um elemento significativo de seu trabalho. Assim, se o título chamava para a relação entre a arte e a natureza, a necessidade de uma adaptação para o on-line, com a criação de um tour virtual em 360o, transformou a tecnologia em um dado preponderante para pensar as questões apresentadas. “Acho que chegamos a uma linda equação, alternando as mídias e aproximando repertórios e discursos: água, árvores, galhos de árvores, animais, tudo me parece afins”, diz Bousso.

João de Cera (2020), de Ricardo Siri (Foto: Divulgação)

No caso do artista Ricardo Siri, que participa da mostra com a instalação Ninho (2018), composta por galhos, cipós, cera de abelha, barro e outros materiais, na qual o visitante poderia adentrar, a solução foi criar sons e movimentos, permitindo ao público virtual visualizar a obra por diversos ângulos. No on-line, áudio-poemas da artista Katia Maciel fazem a ligação entre as fotografias, as esculturas e as instalações, tornando o percurso para visualizar as 13 obras uma experiência menos solitária. “Se falo sempre da água/ é porque ela não para/ de voltar/ bate na porta/ e continua/ avesso oceano/ é todo e parte”, escutamos em dado momento. 

Além dos quatro áudio-poemas, Maciel expõe em Naturezas Imersivas duas fotografias e duas videoinstalações. Na obra Uma Árvore (2009), o foco da câmera incide sobre a copa, que desenvolve movimentos de inspiração e expiração, como um pulmão em contrações. Já em Pista (2015), um tronco de árvore desliza suavemente em um travelling infinito. 

Esta é a primeira vez que as duas peças estão sendo apresentadas apenas por meio de uma visita virtual. “A necessidade de distanciamento social dada pela pandemia pode manter fechadas as instituições de arte por um tempo indefinido. Isto mudou sim a minha atenção em relação ao modo de registro e acesso às obras”, diz Maciel. “Não se trata mais do arquivamento de uma situação vivida, mas talvez da única experiência com a obra no espaço do Farol Santander”, diz a artista. Para ela, por mais que a visita virtual procure reproduzir as possibilidades de deslocamento do corpo pelas obras, ela não refaz a presença porosa que as imagens possibilitam, no encontro presencial, conseguindo abrigar o corpo e colocar o público dentro da peça. 

“No virtual as obras são mediadas pelo mouse, melhor dizendo, elas são interfaceadas, o que implica em outra experiência em nível corporal. O corpóreo se estende ao maquinal com a mediação do mouse. E aí começa o que chamamos de produção de subjetividades, condição essencial para intervenções de um ponto de vista mais político, assim dizendo, na realidade”, conclui Bousso.