Ativo em julgamentos de casos de lavagem de dinheiro que tiveram coleções de arte retidas pela Justiça, o desembargador Fausto De Sanctis inaugurou no Brasil uma prática muito importante. Ele criou um sistema em que o acusado deve ressarcir imediatamente a sociedade, doando obras a museus. “A concepção própria da obra de arte é ser apreciada, não escondida”, diz De Santics à repórter Luciana Pareja Norbiato, em matéria sobre o confisco de obras adquiridas com dinheiro sujo pela Operação Lava Jato.
Tirar obras de reservas técnicas, onde ficam guardadas por tempo indefinido – seja em situações de apreensões ou de descaso do serviço público –, está na mira de profissionais como De Sanctis e de artistas e pesquisadores que se debruçam sobre acervos de diversas naturezas. Como a paquistanesa Maryam Jafri, portfólio desta edição, que investiga os arquivos do Ministério da Informação de Gana, na África, do banco de imagens Getty e de produtos fracassados da indústria alimentícia dos EUA. Assim também como Giselle Beiguelman, artista, professora da FAU-USP e conselheira editorial de seLecT, que devolveu à luz um conjunto de monumentos que estavam esquecidos em um depósito da prefeitura de SP, dotando-o de dignidade e cercando-o de questões, ao mostrá-lo no Arquivo Histórico da cidade.
A mesma preocupação se manifesta entre instituições artísticas, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, que, segundo Ana Letícia Fialho, colaboradora da edição com texto sobre estratégias de construção de coleções públicas, está definindo sua política de aquisição de novas obras a partir de pesquisas sobre as origens da própria coleção. O mesmo poderia ser dito a respeito do Masp, que desde o início 2015, sob nova direção, iniciou uma operação para restaurar a visibilidade de seu acervo e edifício. Faz parte dela a retomada da expografia original do museu, com a volta dos cavaletes de Lina Bo Bardi, aqui celebrados na seção Em (re)construção.
Será coerente o Masp incorporar a essa política a revisão de segmentos obscuros de seu acervo, que começou a ser formado nos anos pós-Segunda Guerra, quando propriedades de famílias de origem judaica foram espoliadas. Em reportagem exclusiva de Gustavo Fioratti, seLecT teve acesso a estudos de procedências que atestam que cinco esculturas de Edgar Degas da coleção do Masp estão em lista de instituições judaicas que buscam obras confiscadas pelos nazistas.
Precisamos buscar a origem das coleções (!), nos avisa a professora Maria Cecília França Lourenço, na Coluna Móvel. Tanto mais se tiverem qualquer suspeita de envolvimento em crimes de guerra ou em casos de polícia.
Nesta edição dedicada às coleções de arte, em que constatamos quanto o colecionismo institucional nacional continua incipiente, é hora de reforçar as sinergias entre os âmbitos público e privado. Assim, 2016 deve marcar um novo ciclo do colecionismo brasileiro. Com a crise econômica e os altos preços da arte brasileira no mercado – empecilhos reais para o aparecimento de jovens coleções –, as trocas (entre instituições) deverão ser consideradas. E o colecionador privado deverá entender que seu papel é maior do que acumular por fetiche pessoal. Abrir acervos, tornar pública sua coleção e apoiar a produção artística são atitudes saudáveis que já se afirmam entre as novas gerações de colecionadores.