Cinco telas do ítalo-brasileiro Eliseu Visconti (1866-1944) pertencentes à Coleção Collaço Paulo integram a exposição Visconti e Renoir: Impressionismo 150 Anos, em cartaz até 5/4 na Danielian Galeria, em São Paulo. O mantenedor do acervo, Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, criado em 2022, em Florianópolis (SC), busca ampliar o acesso à coleção a um amplo público. Na capital catarinense, coloca o espaço expositivo a serviço da comunidade, com a promoção de mostras de interesse histórico e com critérios curatoriais profissionalizados. Cinco exposições, a maioria de longa duração, já foram montadas desde a inauguração. A atual, Máscara Humana, se estende até 26/4 e destaca a produção de Rodrigo de Haro (1939-2021), expoente das visualidades e da poética de Santa Catarina.
Na capital paulista, a Danielian Galeria e a curadora Denise Mattar oferecem uma rara oportunidade para apreciar o diálogo entre dois grandes nomes, o mestre francês Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) e o ítalo-brasileiro Visconti. “As obras do Instituto Collaço Paulo são fundamentais numa exposição do Visconti”, afirma Tobias Visconti, neto do artista, que conduz o Projeto Eliseu Visconti. Mattar reúne cerca de 40 obras de Visconti, três pinturas e uma litografia de Renoir, em uma celebração dos 150 anos do movimento impressionista, inaugurador da era moderna na arte europeia. As obras são empréstimos de coleções públicas e privadas, como o Museu Antonio Parreiras, o Instituto Collaço Paulo, a de Ronaldo Cezar Coelho, entre outras, e tem o apoio do Projeto Eliseu Visconti.
No recorte curatorial da exposição impressionista, a Coleção Collaço Paulo contribui com cinco telas de Visconti: A Visita (1927), Segredo (1903), Raios de Sol (1935), Retrato de Louise (1921) e Sarau no Solar de Teresópolis (1936). Eliseu Visconti, protagonista da narrativa paulista e um dos principais impressionistas do Brasil, na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, é aluno do catarinense Victor Meirelles. Faz muitos retratos, conquista o 1º prêmio da República para estudar na Europa, onde vive em Paris entre 1893 e 1898. Enfrenta questionamentos, julgamentos, concursos, salões, competitividade. É preterido na Semana de Arte Moderna em 1922 por seu vínculo com o império. Na Europa, ele incorpora as tendências internacionais do início do século 20, refina seu estilo, reconhecido com a medalha de prata na Exposition Internationale Universelle de Paris, por suas telas Gioventù e Oréadas, e obtém a menção honrosa na Seção de Arte Decorativa e Artes Aplicadas.
NU FRONTAL MASCULINO
A Coleção Collaço Paulo inclui também o óleo sobre tela Nu Masculino Sentado com Bastão (1891), que não está em São Paulo. A tela de qualidade indiscutível chama a atenção porque poucos ousam incorporar no acervo um raro nu frontal masculino. Raio de Sol (1932), por sua vez, registra o portão, as plantas vermelhas da casa do artista em Teresópolis (RJ), onde a pintura, pertencente às netas, foi encontrada atrás de uma escada.
As duas pinturas integram Mais Humano: Arte do Brasil de 1950-1930, a primeira mostra do Instituto Collaço Paulo, entre 2022 e 2023, que conquista o Prêmio Destaques Regionais – Sul do Brasil concedido pela Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA). Ao reconhecer nomes e atuações relevantes para a cultura brasileira em 2022, a ABCA concede o Prêmio Emanuel Araújo pela coleção, acervo, conservação e documentação histórica e à curadora-chefe da instituição, Francine Goudel, o Prêmio Gilda de Melo e Sousa, destinado a críticos em início de carreira.
Por meio de empréstimos, parte dos trabalhos artísticos da coleção integram diferentes projetos curatoriais no Brasil. As articulações sobre a cessão temporária para instituições do setor ampliam a visibilidade de obras icônicas da história da arte e fortalecem o circuito brasileiro das artes visuais. Do acervo, a tela Santo (2022), de Miguel Afa, está emprestada desde 2023 para a mostra Dos Brasis – Arte e Pensamento Negro, que estreou no Sesc Belenzinho, em São Paulo, e está em itinerância por outras unidades do Sesc. A exposição representa um projeto de fôlego na cena nacional para constituir pensamento negro no campo das artes visuais, em tempos e lugares distintos.
Desde 2006, algumas obras atendem interesses curatoriais de Santa Catarina e do eixo Rio-São Paulo. Entre outras mostras, em 2007, em Florianópolis, parte substancial do acervo entra na premiada exposição Centenário Martinho de Haro, no Museu de Arte de Santa Catarina (Masc). Em 2016, Eliseu Visconti – 150 Anos, idealizada por Denise Mattar na Galeria Almeida e Dale, em São Paulo, aproxima o casal de colecionadores Jeanine e Marcelo Collaço Paulo da curadora e pesquisadora de renome. Entre 2018 e 2019, são emprestados quatro trabalhos para Artista em Representação, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Em 2018, Ismael Nery: Feminino e Masculino, com curadoria de Paulo Sergio Duarte, no MAM São Paulo, incorpora obra do acervo.


BREVE PINCELADA
A Coleção Collaço Paulo, de Jeanine e Marcelo Collaço Paulo, tem a missão de compartilhar e promover a arte sobretudo por meio de exposições e de programas voltados à comunidade local e global. Quer ser também um suporte para os interessados em conhecimento, servindo a diferentes áreas do saber e à transformação de realidades educativas. Dos anos 1980, origem da Coleção Collaço Paulo, à atualidade, o acervo resulta em um conjunto de peças de estilos variados e de um período significativo da história da arte. Abarca movimentos e escolas, compreende a arte brasileira e mundial, abrangendo os séculos 15 ao 21. A diversidade de suportes e linguagens manifesta-se em pinturas, esculturas, desenhos e objetos.
Na representatividade dos artistas brasileiros do século 19 e 20 despontam Pedro Weingartner (1853-1929), Eliseu Visconti, Georgina Albuquerque (1885-1962), Victor Meirelles (1832-1903), Henrique Bernardelli (1858-1936), Belmiro de Almeida (1858-1935), Pedro Américo (1843-1905), Rodolfo Amoedo (1857-1941) e Abigail de Andrade (1864-1890). A participação de Santa Catarina se dá com Eduardo Dias (1872-1945), Elke Hering (1940-1994), Eli Heil (1929-2017), Hassis (1926-2001), Malinverni Filho (1913-1971), Rodrigo de Haro (1939-2021), Pedro Paulo Vecchietti (1933-1993), Schwanke (1951-1992), Silvio Pléticos (1924-2020), Meyer Filho (1919-1991), Valda Costa (1951-1993), Paulo Gaiad (1953-2016), Fernando Lindote, Walmor Corrêa, Rodrigo Cunha, entre outros. No âmbito modernista e contemporâneo aparecem Martinho de Haro (1907-1885), Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), José Pancetti (1902-1958), Lasar Segall (1889-1957), Iberê Camargo (1914-1994), Tomie Ohtake (1913-2015), Miguel Afa e Nádia Taquary. Como se vê, em breve pincelada, o acervo constitui uma potência simbólica e se firma como possibilidade de associação à história artística e cultural de Santa Catarina e do Brasil.
MERGULHO NO FEMININO
As representações femininas na Coleção Collaço Paulo abrangem, entre outros nomes, Georgina Albuquerque (1885-1962), Abigail de Andrade (1864-1890), Eli Heil (1929-2017), Elke Hering (1940-1985), Ana Bella Geiger, Teresa Martorano, Maria Celeste das Neves (1920-2014), Tomie Ohtake (1913-2015), Valda Costa (1951-1993), Sara Ramos, Maria Bonomi, Sonia Ebling (1918-2006), Vera Sabino e, a recente incorporação, Nádia Taquary.
O interesse dos colecionadores no Brasil recai sobretudo na produção do século 19, nos anos 1920, o período impressionista de Georgina de Albuquerque, que deve ser pensada como mulher artista moderna antes do modernismo. Natural de Taubaté (SP), estuda no Rio na Escola Nacional de Belas Artes. Pioneira, a primeira a ocupar uma cadeira de professora na escola que também dirige entre 1952 e 1954, agraciada pela crítica, é festejada por sua sensibilidade impressionista, pós-impressionista e fauve.
Pintura de porte, Flor de Manacá (c.1922) é de tocante beleza. O crítico Paulo Herkenhoff ao analisar a obra pertencente ao Museu Histórico Nacional (RJ), o óleo sobre tela Sessão do Conselho de Estado que Decidiu a Independência (1922), afirma: “Georgina restaura o papel dessa mulher ativa na luta pela independência e questiona a dominação masculina sobre as narrativas da história”.
Difíceis de encontrar no mercado, chama a atenção a tela de Abgail de Andrade produzida no século 19. Primeira mulher a conquistar uma medalha de ouro de 1º grau na 26ª Exposição Geral de Belas Artes, da Academia Imperial de Belas Artes (Aiba), é apreciada por suas pinturas de cenas do cotidiano carioca, paisagens, retratos, autorretratos e naturezas-mortas.
A catarinense Elke Hering, um dos mais importantes núcleos da coleção, ganha destaque na terceira exposição realizada pelo Instituto Collaço Paulo. Por sua importância, marca o primeiro ano de atividades da instituição, valoriza a produção feminina e traz pela primeira vez uma curadora de fora de Santa Catarina, Denise Mattar.
A Coleção Collaço Paulo abre-se a amplo público por meio de exposições e para pesquisadores interessados em algum artista ou aspecto particularizado. Como tal, o gesto de colecionar e o acervo estimulam inúmeras relações, novas perguntas e múltiplas abordagens institucionais. Tratada como fonte de prazer, uma possibilidade de reconhecimento do valor da arte para a humanidade e um dispositivo transformador de vidas, a coleção constitui legado e valores, dispara um campo de produção de sentidos que, por sua vez, aciona muitas esferas e cidadãos, alimenta outros repertórios de memórias pessoais ou coletivas. Move encontros e diálogos. Entre inúmeros agenciamentos, estimula um movimento constante em torno de bens materiais e imateriais.
O colecionismo, independente dos critérios de incorporação de obras que se modificam no gosto pessoal ou no momento histórico, respalda-se em pesquisa, conhecimento, relacionamentos, viagens, relações amplas na cadeia produtiva das artes visuais. O estudo de Nei Vargas da Rosa sobre o tema ressalta a percepção do colecionismo como “um fenômeno cultural continuum, cujas formas de ação e elaboração criam elos longevos que não cessam de operar nas estruturas do presente”.
Onde há coleção, portanto, há também arquivo e memória, dois paradigmas do contemporâneo. Sem poder separar o arquivo como memória e intimidade, independentemente do alcance local, continental ou global, uma coleção de arte representa um arquivo contemporâneo, aquele que os pesquisadores dizem ter a capacidade de juntar os humanos.
Exposições entre 2022 e 2025
Mais Humano: Arte do Brasil de 1950-1930 (2022-23)
Curadoria de Francine Goudel reúne 70 obras de 34 artistas brasileiros e estrangeiros radicados ou com produção no Brasil, oriundas das concepções acadêmicas e do princípio das ideações do modernismo.
Indivisível Substância – Martinho de Haro e Florianópolis (2023)
Curadoria de Francine Goudel e Ylmar Corrêa Neto apresenta 46 obras de Martinho que traçam novas análises sobre uma criação pictórica amalgamada com Florianópolis (SC), cidade onde o artista vive entre 1942 até a morte, em 1985. A mostra também inclui um Bruggemann (1825–1894), um Eduardo Dias (1872–1945) e um Othon Friesz (1879-1949).
Elke Hering – Metamorfoses (2023)
Curadoria de Denise Mattar seleciona 75 obras criadas entre 1956 e 1994, a primeira mostra na instituição dedicada à arte feminina, marca o primeiro ano do Instituto Collaço Paulo, inaugurado em 31 de julho de 2022. A desenhista, pintora, gravadora e escultora catarinense está valorizada na Coleção Collaço Paulo com um expressivo volume de desenhos, pinturas e esculturas.
Etérea (2023-24)
Curadoria de Francine Goudel agrupa cerca de cem obras, entre trabalhos artísticos e artefatos que se aproximam pelo sagrado. Criadas por artistas conhecidos e desconhecidos, representativos de diferentes escolas e países, as peças abarcam religiões de matrizes distintas, um tempo que se estende entre os séculos 15 e 21, além de amplas materialidades e linguagens – bronze, cerâmica, madeira, pintura e escultura.
Máscara Humana (2024/25)
Curadoria de Francine Goudel expõe um dos núcleos da Coleção Collaço Paulo, do qual saem 80 obras, entre pinturas e desenhos, e 25 objetos pertencentes ao artista Rodrigo de Haro (1939-2021), autor de uma produção extensa em artes visuais, além de livros que o consagram como poeta. O recorte temporal valoriza o meado dos anos 1960 ao começo dos 1980.



Saiba Mais
www.institutocollacopaulo.com.br
@institutocollacopaulo
Serviço
Visconti e Renoir: Impressionismo 150 Anos; em cartaz até 5/4; ter a sex, 11h às 19h; sáb, 11h às 15h
Danielian, Rua Estados Unidos, 2114, Jardim América, SP
Máscara Humana; até 26/4; seg a sáb, 13h30 às 18h30
Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, Rua Des. Pedro Silva, 2.568, bairro Coqueiros, Florianópolis (SC)
Néri Pedroso é jornalista, integrante da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA).