O Pavilhão do Brasil em Veneza vai ser tomado por expressões espaciais da matriz cultural brasileira durante a 18ª MIA – Mostra Internacional de Arquitetura. A curadoria parte de cinco referências para mapear essa “matriz cultural”: a Casa da Tia Ciata, no contexto urbano da Pequena África no Rio de Janeiro; a Tava, designação dada pelos Guarani às ruínas das missões jesuítas no Rio Grande do Sul; o complexo etnogeográfico de terreiros em Salvador; os Sistemas Agroflorestais do Rio Negro na Amazônia; e a Cachoeira do Iauaretê dos Tukano, Arawak e Maku.
Intitulada Terra, a representação brasileira na Biennale tem curadoria conjunta dos arquitetos Gabriela de Matos e Paulo Tavares, que estão empenhados, em suas práticas individuais, assim como agora, trabalhando juntos, em repensar o conceito de patrimônio arquitetônico de uma perspectiva decolonial. Essa releitura do passado que muda de lugar os marcos e reorganiza as narrativas se inscreve no projeto geral da Bienal de Veneza, Laboratório do Futuro, ao desenhar futuros possíveis a partir dos agentes silenciados pelos cânones arquitetônicos.
Um ótimo exemplo dessa reflexão é a virada decolonial em torno das ruínas de São Miguel das Missões (RS): “Este é um patrimônio fundante do IPHAN, cujo relatório de tombamento foi feito por Lucio Costa, como se a arquitetura europeia fosse a nossa tradição”, diz Paulo Tavares, em entrevista a seLecT_ceLesTe. Em 2014, o processo de Inventário e Registro das ruínas de São Miguel das Missões, coordenado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) sofreu uma alteração, partir da aplicação do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC Comunidade Mbyá-Guarani), que conferiu aos Guarani o Registro das Ruínas de São Miguel – por eles denominado de Tava – que acaba por reconhecer, legalmente, a presença e o protagonismo guarani na região, informa a pesquisadora Vânia Lima Gondim, em sua dissertação de mestrado, Os Mbyá-Guarani e as Ruínas de São Miguel das Missões: Memória e Tangibilidade (2015).
Outro exemplo é trazido por Gabriela de Matos na entrevista à revista: “O Terreiro Casa Branca, ou Ilê Axé Iyá Nassô Oká, em Salvador, demonstra o papel das mulheres negras como as primeiras arquitetas do perímetro urbano de Salvador, porque ali pensaram, há mais de 300 anos, a organização do espaço, os materiais, os sistemas construtivos e soluções sustentáveis”. Terra, a exposição, propõe portanto um olhar para as arquiteturas da terra, para além de projetos de edificação, também presentes nas experiêcnias espaciais reunidas na exposição. “Daí a importância de incluírmos a Cachoeira do Iauaretê e os sistemas agroflorestais amazônicos, que são lugares de memória da arquitetura brasileira”, conclui Tavares.