Os livros e cadernos de artista de Anna Bella Geiger, criados em meados dos anos 1970, foram grandes plataformas de experimentação material e artística em sua prática. Em diálogo com as indagações abordadas nesses materiais, como os volumes O Novo Atlas I e O Novo Atlas II (1977), Typus Terra Incógnita (2024) reinterpreta uma série de publicações anteriores que se entrelaçam com trabalhos históricos, em conjunto com peças concebidas especialmente para o projeto editorial, publicado pela Familia Editions.
Reunindo os processos de mapeamento e organização de mundo por meio de imagens e símbolos, cartografia e linguagem, o livro combina desenhos, esboços, equações e anotações inéditas de Geiger – que há 50 anos explora a perspectiva geopolítica da história da humanidade por meio de uma abordagem poética da cartografia.

A representação do planisfério e da malha cartográfica em diversas obras reproduzidas na edição, como Espaço Social da Arte (1977), não é compreendida como uma reprodução de suportes científicos despolitizados, mas sim instrumentos de dominação. Transformando escalas e proporções com o uso de distorções, uma estratégia versada entre forma e conteúdo, a artista deforma o traçado do continente sul-americano para propor uma perspectiva descolonizadora à discussão sobre a hegemonia simbólica, cultural e econômica eurocentrada do nosso território.
A série Variáveis (década de 1970) une trabalhos já bem difundidos da pioneira no cenário brasileiro, e agora ganha nova leitura no editorial. Originalmente apresentadas como serigrafias e bordados sobre tecidos, as peças se transformam em desenhos sobre papéis variados – assim como na série de trabalhos “macios” e acolchoados. De todo modo, o projeto desenvolvido de forma colaborativa entre a editora e a artista não se percebe como plano, uma vez que sua materialidade reflete o legado de Geiger e transcende seus limites bidimensionais.

Este paralelo material pode ser observado em contraste com a exposição individual da artista em cartaz na Galeria Mendes Wood DM, quase mapa, quase mancha, em São Paulo. A mostra faz um recorte temporal de pinturas e gravuras de Geiger na década de 1980 e exibe a videoinstalação Mesa, Friso e Vídeo Macios (1981), apresentada originalmente na 16º Bienal Internacional de São Paulo. O uso do estofado e das padronagens vislumbra a mesma noção de território indecifrável estudado no livro de artista, mas a transposição simbólica dos materiais ganha uma dimensão corporal – aliada ao ambiente de luz baixa e sonoridade perturbadora e ininteligível dos vídeos.
Na capa serigrafada há um recorte em papel do tipo pergaminho aberto que forma uma flor sobre um fundo preto, subtraindo o seu cerne assim como o território da América do Sul na gravura Local da Ação (1979), o “não lugar” do mapa-múndi. Typus Terra Incógnita expande a pesquisa de Geiger sobre nação, história e identidade de forma inovadora e experimental, parâmetros indissociáveis dos sistemas criados ao longo de sua trajetória.

SERVIÇO
Typus Terra Incógnita, Anna Bella Geiger, Familia Editions, 84 págs., R$ 720 (edição especial R$ 3.620)
quase mapa, quase mancha
até 1º/2/25, Galeria Mendes Wood DM, Rua Barra Funda, 216, São Paulo
mendeswooddm.com