Esqueça tudo o que você já viu do incensado artista catalão Antoni Abad. Ele acaba de chegar ao Brasil para colocar em prática um novo projeto de software social, inteiramente dedicado às percepções sonoras. Para vivenciar essa obra, recomenda-se baixar o aplicativo Blind Wiki em seu smartphone, caminhar pela cidade, escolher no mapa sensorial do app um local próximo de onde se está, fechar os olhos e ouvir. A proposta de Abad neste projeto, anteriormente realizado em Veneza, Berlim, Wroclaw, Sydney e Roma, é envolver pessoas com deficiência visual e videntes na criação coletiva de um mapa de experiências sonoras. Quem enxerga pode conhecer a percepção particular do espaço público dos participantes cegos e com perda parcial de visão, e vice-versa.
Lógico que não se pode esquecer de feitos tão memoráveis quanto a instalação Últimos Deseos (1995), de Abad. Precursor das experimentações em vídeo expandido que cedo inscreveu seu nome na história da arte em novas mídias, o catalão ganhou fama internacional com a projeção no teto de um hesitante caminhar sobre corda bamba, filmado de baixo para cima, o equilibrista em dimensões monumentais pairando sobre os espectadores. Destaque indiscutível na Bienal de Veneza de 1999, com curadoria de Harald Szeemann, a obra foi mostrada no Brasil por iniciativa da curadora Angélica de Moraes, na mostra Sem Fronteiras (2001), exposição que inaugurou o Santander Cultural, em Porto Alegre.
O curador espanhol Eugeni Bonet escreveu, em 1995, a propósito da videoinstalação: “Esta imagem, uma sequência de vídeo editada em loop, projetada no plano aéreo, mostra-nos um homem se equilibrando em um pequeno pedaço de corda sobre a qual cambaleia, avançando e recuando, uma e outra vez, como se estivesse se perguntando se deve ou não seguir em frente (o quadro mostra-nos a corda e os pés do equilibrista em primeiro plano; ele também está nu e anônimo, numa poderosa composição de claro-escuro). A peça é uma expressão visual da ideia de andar na corda bamba, realizando um ato de equilíbrio. Na verdade, é, a partir de Gertrude Stein, uma biografia de todos, a menos que ainda possamos imaginar a possibilidade de felicidade perpétua, livre de ansiedade, adversidade ou carência. Assim, nosso equilibrista não é o herói perfeito, mas um cambaleante que vacila sem realmente avançar: consciente do perigo, do risco, suspenso no ar – e no suspense da imagem obsessiva e hipnótica no alto teto abobadado.”
A descrição da visualidade de Últimos Deseos (1995) por Eugeni Bonet, um dos maiores conhecedores da pesquisa de Abad, que assinou importantes curadorias da obra do artista, é de especial importância aqui para se entender a guinada de um regime sensorial a outro, a partir de 2004, por Antoni Abad. “Depois de muitos anos trabalhando com vídeos expandidos, pensados para dialogar com a arquitetura dos espaços expositivos, decidi abandonar todas as galerias que me representavam. Eu não gostava do mercado de arte e identifiquei nas nascentes tecnologias móveis com capacidade de veicular produtos audiovisuais diretamente na internet um dispositivo de trabalho que poderia acontecer sem intermediações”, explica o artista em entrevista à seLecT.
Surge assim, em 2004, o projeto megafone.net, que Abad realiza em colaboração ativa com grupos de pessoas marginalizadas, oferecendo o que chama de “software social” para que as comunidades interessadas em expressar suas experiências e opiniões utilizem ou aprendam a utilizar esse recurso comunicacional. “Comecei o projeto na Cidade do México, trabalhando com taxistas, que tinham um estigma muito ruim na sociedade. O projeto chegou a reunir 25 mil taxistas, a repercussão na mídia foi muito impactante”, conta. A tecnologia é muito simples: a partir de assembléias realizadas com os participantes, identificam-se as problemáticas e desenvolve-se um canal que pode ser alimentado com gravações de áudio, vídeos, textos e imagens por meio do uso de telefones celulares pelos integrantes da ação: eles criam os conteúdos e publicam imediatamente. O título do trabalho refere-se à transformação dos aparelhos celulares em “megafones digitais”, com o objetivo de “amplificar as vozes de indivíduos e grupos que são ignorados ou retratados de forma deturpada na mídia”.
Abad trabalhou em 2007 com motoboys em São Paulo, em seguida desenvolveu dispositivos colaborativos para ações com grupos interessados em discutir problemas de mobilidade em Barcelona, Genebra e Quebec, e em seu projeto mais recente, o BlindWiki, vem militando junto a comunidades de cegos ou pessoas com perda parcial de visão para amplificar o conhecimento sobre a diversidade visual. “Nós, como cidadãos videntes, não sabemos como eles percebem o mundo, que desafios encontram na vivência das grandes cidades ou que cartografias sensoriais eles percorrem e percebem, invisíveis para nós”, complementa o artista. O aplicativo Blind Wiki, que pode ser usado por qualquer pessoa, é um canal de informação, de denúncia e também de poesia, promovendo encontros geolocalizados com as percepções dos outros acerca de lugares que julgávamos conhecer. “Gosto de pensar que essa ferramenta, diferente de uma rede social, é uma rede cidadã. Estou em São Paulo para apresentar o projeto às pessoas, mas espero que uma vez criado esse núcleo, a ideia possa se expandir e frutificar”, conclui Antoni Abad.
As rotas de mapeamento do BlindWiki Brasil acontecem ao longo do mês de agosto, em grupos organizados nas cidades de São Paulo e Sorocaba, sob a curadoria de Bruna Battistini. “O projeto carrega muito mais que informações sobre dificuldades e barreiras dos trajetos. Ele possuirá um importante acervo de experiências, opiniões e histórias, gerando uma cartografia criativa e colaborativa do que não é visível, criada em tempo real no site do projeto, à medida que os participantes postam suas próprias mensagens de áudio geolocalizadas”, informa o material de divulgação. O BlindWiki parte da Avenida Paulista em São Paulo, mas visa mapear não só os pontos específicos juntos aos museus, patrimônios históricos e centros culturais da região, como compartilhar sons, percepções, sentimentos e críticas sobre toda a cidade.
As vagas para a participação na BlindWiki são limitadas. A inscrição, gratuita, é feita pelo link da bio do instagram do projeto @blindwikibr. O aplicativo, também gratuito, está disponível para Android e iOS e pode ser baixado no site Blind.wiki para ser utilizado por qualquer pessoa no Brasil e no resto do mundo.
Serviço:
Rota 6 – LARAMARA 1 – 11/08/2022- 9h às 11h30 – Encontro Laramara
Roteiro: Visita aos arredores da Laramara
Rota 7 – LARAMARA 2 – 12/08/2022- 9h às 11h30 – Encontro Laramara
Roteiro: Visita ao Memorial da América Latina
Rota 8 – SOROCABA – 13/08/2022- 15h às 18h – Encontro no MACS – Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba
Roteiro: Visita a exposição do MACS e aos SESC Sorocaba
Rota 9 – MAM – 18/08/2022- 14h30 às 17h – Encontro no Metrô Vergueiro
Roteiro: Visita guiada ao Museu de Arte Moderna e um Piquenique