icon-plus
Still do vídeo ...Uma História Que Eu Nunca Esqueci... (2013/2015), de Rosana Palazyan [Foto: Divulgação]
Postado em 11/10/2023 - 1:28
Ao lado da guerra, o lar
Tão perto do conflito Hamas/Israel, Bienal de Larnaca, no Chipre, inaugura exposição Home/Hope neste sábado, 14/10; Rosana Palazyan é a única artista brasileira que integra a mostra

Abre neste sábado a exposição Home/Hope, com curadoria de Yev Kravt, no contexto de uma bienal cujo tema, em sua terceira edição, é Home Away from Home [Em casa longe de casa], em torno da crise global de refugiados e assuntos correlatos  …Uma História Que Eu Nunca Esqueci… (2013/2015), de Rosana Palazyan, chega à Bienal de Larnaca, em Chipre, após ter percorrido outros países desde 2013, quando foi lançada.

 

 

Leia a seguir, texto da artista sobre a obra: 

 

A obra, que trata da memória/não apagamento, identidade, diáspora/ sobrevivência, é apresentada agora, em 2023, no momento de um novo genocídio. Diante de crimes contra a humanidade cometidos pelo Azerbaijão, o povo de etnia Armênia, cerca 99% da população de Artsakh (Nagorno Karabach) foi forçado a deixar suas terras ancestrais, em mais um episódio de limpeza étnica, após 108 anos do genocídio sofrido contra seus antepassados armênios pelo Império Otomano (atual Turquia), c. 1915/1923. A obra …Uma História Que Eu Nunca Esqueci… (2013/2015), vídeo (15’ 12’’) integrante da instalação com mesmo título, será apresentado na Bienal de Larnaca, em formato de filme de arte.

Still do vídeo …Uma História Que Eu Nunca Esqueci… (2013/2015), de Rosana Palazyan [Foto: Divulgação]
Tendo iniciado minha trajetória no final dos anos 1980, cercada por episódios de violência, traumas sociais, econômicos e políticos, nunca me sentia à vontade para tratar do tema Armênia. Desde então, venho buscando ampliar a reflexão sobre a violência e exclusão no tecido social. Mas ,ao ser convidada para participar da 4ª Bienal de Arte Contemporânea de Thessaloníki, na Grécia, em 2013, descobri, durante a pesquisa, que aquela era a cidade onde meus antepassados se refugiaram por alguns anos. E o passado distante estava diante de mim, tão próximo. Genocídio e diáspora são palavras que ouvia desde a infância, quando ainda nem conhecia seus significados.

O vídeo. produzido de forma artesanal, sem pretensões de virtuosismos técnicos, nasceu como um exercício solitário de anotações visuais e sonoras no cotidiano do estúdio. Propõe reconectar a memória fragmentada das histórias e relatos ouvidos desde a infância sobre a diáspora em consequência do genocídio armênio (c. 1915 a 1923). O extermínio de 1,5 milhão de pessoas e a tentativa de fazer uma cultura inteira desaparecer. Uma história que sempre foi impossível esquecer, pois seria o esquecimento do próprio ser. Foi preciso remontar cada fragmento da memória como em um quebra-cabeça, carregado de enorme custo pessoal.

Still do vídeo …Uma História Que Eu Nunca Esqueci… (2013/2015), de Rosana Palazyan [Foto: Divulgação]
Confrontando a diáspora e suas relações de sobrevivência, contar essa história propõe uma reflexão sobre os acontecimentos políticos, sociais e de violência como os genocídio também da atualidade. Em cada local onde a obra é apresentada, dialoga com o público, incentivando-o a contar suas próprias histórias. Apresentar esse vídeo, 108 anos após o primeiro genocídio, agora, quando mais de 100 mil armênios foram forçados a deixarem suas terras ancestrais  de Artsakh em mais um episódio de limpeza étnica e genocídio é ainda mais doloroso.

Em uma bienal que trata sobre casa, pertencimento, esperança, nesse momento, pensar que quando um povo é retirado não só de suas casas, mas também é forçado a abandonar suas terras ancestrais e bens culturais, que já vem sendo depredados, como forma de limpeza e apagamento existencial, pergunto: onde está a esperança? O que me faz lembrar das palavras do filósofo e ambientalista Ailton Krenak: “A nossa história colonial no Brasil é uma história de genocídio contra o povo indígena. É uma tristeza você construir uma nação em cima do cemitério da outra”.

O reconhecimento de um genocídio é parte  fundamental como demanda de justiça e no processo de cura de seus descendentes que o têm como uma ferida aberta. Como brasileira de ascendência armênia, a necessidade de justiça, não apagamento e não recorrência pulsa em mim duplamente e a arte é o que me move nessa busca.

 

Rosana Palazyan,   2013/2023