As obras da exposição Ka’a Corpo: Cosmovisões da Floresta, curadoria de Sandra Benites com assistência curatorial de Anita Ekman, refletem a visão de mundo dos povos indígenas, que é indissociável da floresta. Em cartaz até 6 de fevereiro na Paradise Row Projects, em Londres, a mostra tem por objetivo “abrir um verdadeiro diálogo que possibilitará a cura e criará um espaço de troca com o outro por meio dessas obras”, nas palavras da curadora e antropóloga indígena Sandra Benites (Guarani Nhandeva).
Ka’a significa, em Guarani, folha, ervas que curam. Ka’a Corpo, primeira apresentação internacional de arte e cultura indígena do Brasil realizada por uma curadora indígena, é concebida como um portal entre dois mundos distantes, mas conectados: o vasto e complexo mundo das florestas tropicais do Brasil (a Amazônia e os remanescentes da Mata Atlântica) e o mundo de Londres, também vasto e complexo, um dos centros do capitalismo global que lucrou com a devastação das florestas e com o trabalho escravo dos povos indígenas e africanos em seu caminho para o poder e domínio.
A Mata Atlântica, que antes se estendia ao longo da costa atlântica do Brasil em centenas de quilômetros para o interior do continente, onde por milênios viveram e vivem diversos povos indígenas, entre eles os Guarani (etnia de Sandra Benites), está agora reduzida a cerca de 8% de seu tamanho original. A floresta foi desmatada para extrair ouro e cultivar açúcar e café, utilizando a mão de obra escrava tanto de africanos capturados e transportados para o Brasil como de povos indígenas. Os mercadores europeus lucravam com o comércio do açúcar, enquanto o ouro brasileiro fluía de Portugal para Londres, alimentando o desenvolvimento do capitalismo inglês.
Anita Ekman, artista visual, performer e assistente curatorial, defende: “O Brasil é o país com a maior riqueza de plantas do mundo (46.097 espécies, 43% endêmicas). Essa imensa biodiversidade está localizada principalmente nas florestas que compõem o território brasileiro e que são resultado de um milenar manejo ambiental dos povos indígenas. Recentes estudos sugerem que 60% da Amazônia é antropogênica, o que significa dizer que a maior floresta tropical do planeta foi plantada, cultivada e intensamente manejada por mãos e mentes indígenas. A floresta é, portanto, uma grande criação cultural e o maior legado da resistência indígena para o mundo”.
Conceitualmente, esse vínculo íntimo e fundamental daquilo que o pensamento ocidental costuma separar entre “corpo” e “território”, ou “natureza” e “cultura”, é a chave para a visão curatorial do Corpo Ka’a. Segundo a curadora Sandra Benites, “a arte indígena contemporânea desempenha um papel fundamental na tradução das relações que compõem essa complexa teia da diversidade da vida neste território (expressa nas cosmovisões dos povos indígenas), ao mesmo tempo em que proporciona um espaço para denunciar a destruição deste bioma ao longo dos séculos. Na polifonia de vozes, cores e performances das obras que artistas indígenas trazem na exposição Ka’a Corpo – Cosmovisões indígenas da Floresta, saberes ancestrais cruzam atuais histórias de resistência e apontam para a necessidade de repensarmos a relação entre os Seres da Terra (humanos e não humanos) a fim de somarmos esforços para garantirmos a continuidade da diversidade da vida no planeta terra”.
Espaço cultural sem fins lucrativos, a Paradise Row Projects desenvolve projetos de um ano de duração e convida os curadores de cada programação anual a selecionar as ONGs que se beneficiarão com a mostra. Ka’a Corpo tem as vendas de obras revertidas em fundos para duas instituições: Instituto Maracá, organização não governamental com o objetivo de proteger e divulgar o patrimônio histórico, ambiental e cultural dos povos indígenas; e AmazoniAlerta, um aplicativo baseado em blockchain projetado com e para os povos da Amazônia, permitindo que eles compartilhem e armazenem, de forma segura, anônima e em tempo real, dados críticos sobre ataques a eles e à floresta.
Artistas e coletivos participantes:
AMITIKATXI (Articulação das Mulheres Indígenas Tiriyó, Katxuyana e Txikiyana)
Kumé Assurini
Denilson Baniwa
Sandra Benites
Anita Ekman
Jaider Esbell
Zahy Guajajara
Ibã huni Kuin (Isaías Sales) – Huni Kuin MAHKU Collective
Kássia Borges (Rare Karaja Huni Kuin, Huni Kuin MAHKU Collective)
Acelino Tui (Huni Kuin MAHKU Collective)
Yaka Huni Kuin (Coletivo Aīmbu)
Isadora Matos (Coletivo Aīmbu)
Xadalu Tupã Jekupé
Rita Pinheiro Sales Kaxinawa (Coletivo Kayatibu)
Sandra Nanayna
Ermelinda Bosco Peixoto
Pamatoa (Coletivo Suruí)
Aislan Pankararu
Sallisa Rosa
Florinda Martins da Silva
Wera Alcides
Edu Simões
Marcelo Noronha
Daiara Tukano
Gilson Tupinambá
Yakakumalu Wauja (Coletivo Wauja)
Andrey Guaianá Zignnatto
Paradise Row Projects, 2 Bourdon Street, London, W1K 3PA
A galeria funciona de quarta-feira à sábado, das 11h às 18h