Um pouco depois do meio-dia na terça-feira, 18/6, o artista brasileiro Ilê Sartuzi entrou na Sala 68 do Museu Britânico e secretamente substituiu uma moeda de prata, cunhada durante a Guerra Civil Inglesa, por uma réplica. Sartuzi então saiu da Sala 68, desceu as escadas e depositou a moeda verdadeira na caixa de doações do museu. A ação foi a culminação de mais de um ano de preparação, envolvendo consultas legais, estudo de plantas arquitetônicas e dezenas de visitas, tudo condensado em um único e momentâneo legerdemain.
Intitulado Sleight of Hand (expressão para Prestigitação, ou Jogo de Mãos), o projeto faz parte da apresentação do Mestrado em Artes Plásticas de Sartuzi na Goldsmiths College, constituinte da University of London, e esteve em exibição até 16 de julho no Edifício Ben Pimlott da escola. Através de uma instalação de um vídeo em dois canais, um display de museu com duas moedas falsas e um texto, a exibição documenta o roubo e a devolução do objeto.

Em resposta à Hyperallergic, um porta-voz do Museu Britânico caracterizou a ação de Sartuzi como um “ato decepcionante e derivativo que abusa de um serviço voluntário destinado a dar aos visitantes a oportunidade de manusear itens reais e se envolver com a história”.
A moeda fazia parte de um grupo de objetos reservados para fins educacionais, incluindo sessões de manuseio com visitantes.
“Serviços como este dependem de um nível básico de decência e confiança, e seria uma pena ter que revisar o oferecimento desses serviços por conta de ações como essa”, disse o porta-voz, observando que o museu alertará a polícia sobre o incidente.
Sartuzi baseia sua defesa na Seção 11 da Theft Act (Lei de Roubo da legislação britânica) de 1968, que declara que “qualquer pessoa que, sem autoridade legal, remover do edifício ou de suas imediações todo ou parte de qualquer artigo exposto” é culpada de uma infração, e no regulamento do Museu Britânico, que afirma que os visitantes “não devem tocar em nenhum objeto da coleção em exibição aberta, incluindo esculturas ou obras em pedra, exceto como parte de nossos eventos organizados, que incluem tours de toque e mesas de manuseio de objetos”.
Já que a interação de Sartuzi com a moeda ocorreu no contexto de uma dessas “mesas de manuseio de objetos”, e como ele tecnicamente não removeu o objeto do museu, Sartuzi e seu advogado argumentam que nenhuma lei ou regulamento foram violados.
Com uma coleção de mais de 8 milhões de obras individuais, o Museu Britânico se descreve como “o primeiro museu a cobrir todos os campos do conhecimento humano”. No entanto, tem sido cada vez mais afligido por reivindicações de repatriação direcionadas a algumas de suas aquisições mais famosas, incluindo a Pedra de Roseta e os Mármores do Partenon. O governo do Reino Unido encarrega a instituição de contar “a história da cultura humana desde seus primórdios até o presente”. Aos ouvidos contemporâneos, a pretensão dessa missão é nada menos que embasbacante. Como uma responsabilidade tão grandiosa poderia recair sobre uma única instituição? E como tal acumulação não impediria a possibilidade de todos os outros contarem suas próprias histórias?
Tematicamente, Sleight of Hand baseia-se em dois dos interesses inspiradores de Sartuzi, teatro e mágica, ambos dependentes da “suspensão momentânea da descrença”, como ele diz em declaração sobre a obra. É difícil para o público apreciar Hamlet sem que finjam estar na Dinamarca, ou um truque de cartas se estiverem sempre espiando a manga do mágico.
E também é difícil para nós apreciarmos o Museu Britânico sem que ignoremos “a violência histórica da lei e seu papel em legitimar a pilhagem como uma ferramenta para a fundação de ‘museus universais’”, argumenta Sartuzi.
Matéria publicada originalmente na Hyperallergic em 12/7/24
Tradução da redação celeste