O cais da antiga companhia salitrera Melbourne Clark é uma estrutura em escala portuária que liga a costa de Antofagasta ao Oceano Pacífico, uma das poucas construções da era do salitre que restam na cidade. A edificação de aço e madeira, datada de 1872, começou a ser utilizada a partir de 1880 como ponto de carga e passageiros. Foi palco em 1879 da disputa do território de Antofagasta com a Bolívia no conflito conhecido como Guerra do Pacífico, tornando-se parte integrante do Chile. O pier, Monumento Histórico Nacional, mede 1.900 m2, tem quase 200 m de comprimento por 15 m de largura e está aproximadamente 3 m acima do nível do mar.
Em memória dos 50 anos do golpe civil-militar contra o governo de Salvador Allende e da Unidade Popular em 1973, o monumento abriga a exposição resultante da convocatória internacional da Bienal SACO 1.1 Golpe. A exposição é composta majoritariamente por artistas mulheres latino-americanas, reafirmando a noção de que esta região é uma terra de múltiplos golpes.
Celeste Gómiz, com Golpe Blando, aborda aspectos latentes da matéria densa, por exemplo, quando a violência rompe ilogicamente a linha orgânica da vida. Como se fossem fragmentos de um manto de feltro de fibra animal, a mais antiga técnica têxtil, a artista apresentou no pier um conjunto de quatro rochas de tamanho médio, revestidas com lã natural de ovelha, com efeitos de erosão pela água do mar. Sem dúvida, um trabalho feito com gestos ternos e lentos na manipulação das pedras e da lã, como um tempo de cura. A força contrária entre os materiais escolhidos reflete a constelação do Cruzeiro do Sul, faz alusão territorial e astronômica como um guia simbólico e celestial para a visão de mundo dos povos indígenas do extremo sul-americano. A artista menciona que um golpe suave é como areia nos olhos de um povo, golpes tornam-se enraizados no cotidiano coletivo, um trauma (in)visível, preso no centro da cultura, reverberando nos órgãos de cada nação.

Por la Vida de Sandy Gutkowski é uma impressão fotográfica em tecido de 25 metros quadrados, instalada entre dois guindastes portuários. Junto à imagem autorreferencial de um grito pela vida, estão dispostas lenços individuais para que cada visitante possa vivenciar a ação performativa de vendar os olhos e, se assim o desejar, gritar a sua mensagem ao mar e/ou à cidade. A obra convoca o público para um gesto voluntário, um movimento corporal participativo. A artista demonstra sua experiência e formação em atuação, encenação, direção de atores, peças e performances. Por la Vida discorre sobre as marcas do peso, dor, luto e memória que estão tatuadas num espectro geracional latino-americano. Sandy comentou que a imagem é um testemunho e também uma homenagem a milhares de vozes e gargantas que reagiram individual e/ou coletivamente contra o terrorismo de estado. Seu trabalho é um convite para continuarmos no caminho dos nossos melhores ideais.

El Shock de Daniela Avelar é composto escultoricamente por uma frase que ocupa uma área de 17 metros lineares de comprimento, 30 cm de profundidade e 10 cm de altura, onde se lê em letras brancas expostas contra o piso de madeira do pier: “Suas mentes são como quadros em branco sobre os quais podemos escrever.” El Shock é uma pausa para reflexão baseada na história política recente da América Latina em diálogo com o pensamento de Naomi Klein (1970), escritora e ativista canadense, autora de “The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism” (2007). A frase citada foi retirada de uma declaração dos médicos Cyril J.C. Kennedy e David Anchel sobre os supostos “benefícios” da terapia de eletrochoque aplicada indiscriminadamente na psiquiatria a partir da década de 1940. O choque é posteriormente adotado como método perverso de tortura, tanto pela CIA como pelos regimes ditatoriais da América Latina no final do século XX. Como escreveu Klein: “É assim que funciona a doutrina do choque: o desastre original – golpe de estado, ataque terrorista, colapso do mercado, guerra, tsunami ou furacão – impulsiona a população de um país num estado de choque coletivo”. Descreve como as empresas se aproveitam de momentos de choque cultural para expandir a macropolítica econômica neoliberal, gerando o empobrecimento da população e o enriquecimento de uma minoria de rentistas. Klein cita Chile, Brasil e Argentina durante suas ditaduras civil-militares como exemplos de sua tese. O que interessa à artista é a relação entre o apagado e o esquecido, que sempre nos leva a repetir histórias semelhantes entre a lembrança e a realidade já vividas em vez de seguirmos novos caminhos. A disputa narrativa parece consolidar a ausência de memória do vivenciado durante as ditaduras, bem como das lutas por justiça, verdade e igualdade na América Latina. Não podemos esquecer que há uma música da era dos conflitos enérgicos do movimento estudantil secundarista chileno de 2011, da rapper de Santiago, Ana Tijoux, que justamente tem o título de Shock.
Medrosidad de Iván Cáceres consiste numa peça circular com aproximadamente 3 m de circunferência, coberta com alcatrão junto a uma escada tubular metálica, instalação que aparentemente se aproxima da forma de uma piscina escura de espelhos. A obra é um simulador do medo refletido nos seres vivos, que nos convoca a mergulhar (ou não) nela. Sem disposição afetiva, o artista investiga o percurso e o limbo, o piscar de olhos na linguagem dos sonhos, o túnel percorrido ao mover-nos entre estados, como quando sentimos pânico ao ingressar em um sonho. Por ser tão espontânea, essa admissão é caótica, traz prazer (ou não), para que possamos nos aproximar de uma libertação existencial ou de uma possibilidade subjetiva de um mundo mais cálido. Mergulhar nestas águas turvas como se a piscina fosse um ponto metafísico, recolhendo todas as nossas incertezas e nos mostrando as perspectivas correspondentes. A obra trata do medo incontrolável da sociedade diante de mudanças bruscas, um espelho que circunstancialmente deixa fluir reflexos desagradáveis. No filme La Nación Clandestina (1989), do cineasta boliviano Jorge Sanjinés (1936), Mamani retorna à sua comunidade de origem aimará, da qual foi expulso, usando a máscara da morte, para dançar ancestralmente até morrer, como maneira de renascer em sua identidade cultural perdida. Somente as pessoas e as cidades que assumem a sua identidade podem voltar a ser elas mesmas.
