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José Olympio Pereira em fotografia de Bob Wolfenson
Postado em 13/12/2018 - 12:24
Bienal de São Paulo quer investir na memória das artes
José Olympio Pereira vai solicitar projetos para curadores e quer provar que, num país dividido, os diferentes são capazes de conviver em torno da arte
Márion Strecker

Na noite da última terça-feira, a Fundação Bienal de São Paulo formalizou a indicação do colecionador José Olympio Pereira como presidente para o biênio 2019-2020. Olympio é presidente do banco de investimentos Credit Suisse no Brasil e tem assento em conselhos de museus no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. Junto com sua mulher, Andrea, possui uma coleção de mais de 2 mil obras, especializada em arte brasileira dos anos 1950 até a atualidade. Na mesma noite, Julio Landmann foi designado o presidente do Conselho de Administração da Fundação.

Na entrevista a seguir, José Olympio comenta a missão da Fundação Bienal, o que pretende para sua gestão e como vai escolher o curador da próxima exposição, prevista para 2020. Conta também que vai propor ao Conselho de Administração da Fundação ampliar seu papel institucional na preservação da memória das artes, a partir do embrião representado pelo histórico Arquivo Wanda Svevo.

Na sua visão, para que serve a Bienal de São Paulo?

A Bienal de São Paulo, desde sua criação, tem uma missão superimportante de promover um intercâmbio para um público brasileiro e global, de arte global e brasileira. A Bienal introduziu o acesso ao público brasileiro de vários artistas de ponta em diferentes momentos da sua história. O exemplo mais notável foi termos Guernica de Picasso, mostrado aqui na Bienal de 1953. E a partir daí temos tido, ao longo dos quase 70 anos de sua existência, a Bienal como um local de informação, um lugar em que você pode ver não só artistas estabelecidos mas também as novas vanguardas de produção de artes visuais.

Nossa Bienal, ao contrário da maioria das outras bienais do mundo, serve a dois públicos: um especializado em arte, brasileiro e estrangeiro, mas ela serve também a um público sem familiaridade com a arte, que, aliás, é quem compõe a maior parte da nossa audiência. Nós somos uma Bienal de graça, então nós temos essa dupla missão de tanto atender as expectativas desse público especializado como também proporcionar uma experiência interessante, formadora, educativa para aquele público que está sendo introduzido à arte, está sendo apresentado à arte, que tem contato com ela pela primeira vez. Nesse sentido, ao longo dos anos, a gente tem tido uma ênfase muito grande no nosso projeto educacional. O projeto educacional tem um papel muito importante de fazer essa mediação entre o público menos especializado e as obras apresentadas lá. Temos desenvolvido isso muito, com muito sucesso.

 

Desde quando você está envolvido com a Bienal?

Eu entrei para o Conselho da Bienal de São Paulo com a nova administração liderada pelo Heitor Martins a partir de 2009. Ele me convidou para integrar o Conselho. Mais recentemente liderei um movimento no Conselho para uma internacionalização da Bienal, uma reconexão da Bienal com o mundo das artes globais, através da criação de um Conselho Consultivo Internacional que nós formamos em 2016.

 

Você atua em conselhos de outras instituições nos Estados Unidos e na Europa.

O primeiro museu em que estive envolvido foi o MAM de São Paulo, em que participei da diretoria de 1997 até 2004. Depois fiquei no Conselho lá bastante tempo. Aqui no Brasil eu fui do Conselho da Pinacoteca do Estado durante oito anos, cinco dos quais eu fui presidente do Conselho. Eu estou no Conselho Consultivo do MAM do Rio de Janeiro e estou no conselho do MASP. No exterior, eu participo há quase 20 anos do Conselho Internacional do Museu de Arte Moderna de Nova York. Há uns 6 ou 7 anos estou no Conselho Internacional da Tate Modern em Londres. Eu também participo do Conselho da Fondation Cartier para Arte Contemporânea em Paris e este ano, depois de cinco anos, eu deixei o Board of Trustees do New Museum de Nova York, onde eu fiquei seis anos.

 

Como você imagina usar esse networking global para favorecer a Bienal?

A Bienal de São Paulo, isso discutimos no Conselho em 2016, embora seja a segunda bienal mais antiga do mundo, atrás apenas de Veneza, de uma certa forma, com a proliferação das bienais no mundo, ela perdeu muito, ou tinha perdido muito a relevância e se desconectou um pouco do circuito das artes global. Através do Conselho Consultivo Internacional, a gente engajou uma porção de interessados em arte no mundo inteiro, nos Estados Unidos, na Europa, na China, na América Latina, para reengajar o museu. Claramente, para a realização da nossa bienal, vai ser necessário contar com parcerias, com ideias, eventualmente com empréstimo de obras dos principais museus e eu acho que tenho a contribuir com essas minhas relações todas e com a experiência que eu tive lá fora para dar ideias, para olhar que outras experiências aconteceram, para dar apoio. Então eu acho que isso vai ajudar no meu trabalho.

 

Você já escolheu o curador da próxima Bienal?

Não, ainda não escolhi.

 

Como vai ser o processo de escolha? Vai ter uma chamada para apresentação de projetos?

Eu tenho uma ideia de que bienal eu gostaria de realizar em grandes linhas e vou pedir para curadores apresentarem projetos baseados nesse briefing, baseados nessa orientação. Entre os apresentados eu vou selecionar o que mais está de acordo com o briefing. E outros fatores serão levados em consideração, como obviamente capacidade, disponibilidade de tempo, enfim, e alinhamento com o plano geral.

 

E quais são essas grandes linhas que você está imaginando para a próxima Bienal?

Eu não gostaria de antecipá-las neste momento. Eu gostaria que isso fizesse parte da apresentação do projeto curatorial porque aí nós vamos poder nos aprofundar mais sobre isso.

 

E você já sabe para que curadores você vai pedir que apresentem projetos?

Sim, eu já sei, mas eu não estou divulgando.

 

Como você avalia as últimas Bienais de São Paulo, em particular a última Bienal de São Paulo?

Olha, eu acho que a atual Bienal de São Paulo foi uma bienal muito boa, onde nós fizemos uma experiência curatorial muito interessante, proposta pelo Gabriel Pérez-Barreiro. Foi uma inovação, eu fiquei muito bem impressionado com o resultado. Acho que foi uma Bienal muito efetiva.

 

Você tem algum coisa contra a manifestação política por artistas, como ocorreu na 33a. Bienal, do Charles Esche, por exemplo?

 

Eu acho que tem de haver liberdade de expressão. Todo mundo é livre para se manifestar. Eu acredito no diálogo. Então eu acho que a liberdade de expressão, número 1, é fundamental, mas acho que o diálogo também deve ser privilegiado. Acho muito importante haver um diálogo.

 

Você já tem ideia de qual vai ser o orçamento da próxima Bienal?

Tradicionalmente temos um orçamento de cerca de R$ 60 milhões para o biênio, mas este ano, neste último biênio, os recursos foram usados com muita eficiência e obviamente eu vou querer maximizar o uso dos nossos recursos. Mas em termos de ordem de grandeza esse é o nosso orçamento.

 

O que você pensa da Lei Rouanet e das críticas que estão sendo feitas à Lei Rouanet?

Acho que a Lei Rouanet é um instrumento fundamental a dar o suporte da cultura no Brasil, em particular das instituições culturais, como os nossos museus. A Lei Rouanet, que já tem 25 anos, foi um avanço extraordinário em criar um mecanismo de suporte à cultura, mecanismo esse em que você submete projetos que são previamente aprovados e posteriormente fiscalizados por eles, e você dá à iniciativa privada e a pessoas físicas a oportunidade de, dentro do universo dos projetos aprovados, escolher em que querem aportar os recursos. Eu sou um grande defensor da Lei Rouanet, o que não quer dizer que não possa haver aperfeiçoamentos. Eu acho que a discussão de aperfeiçoamentos à Lei Rouanet é absolutamente legítima. Como qualquer legislação, ela está sujeita a aperfeiçoamentos. Acho que é legítimo a gente discutir e ver em que pontos ela pode ser aperfeiçoada.

 

Você tem algum ponto especificamente que gostaria de citar como ponto de melhoria?

Neste momento eu não gostaria de entrar em detalhes sobre pontos de aperfeiçoamento da Lei Rouanet.

 

Você é conhecido como colecionador de arte, tem uma coleção importante com sua mulher, Andrea. Coleciona desde meados dos anos 1980 e disse numa entrevista muito interessante ao jornal Valor Econômico que se considera compulsivo e acumulador, como todo colecionador. É isso?

Isso.

 

Como é sua coleção?

Minha coleção é 95% composta de arte brasileira, fundamentalmente a partir dos anos 1950 até a contemporaneidade, com uma ênfase grande na produção mais recente. Nós gostamos de nos aprofundar no trabalho de artistas que nos interessam, então uma característica da coleção é um número grande de obras dos artistas que nos interessam. Nesse sentido, podemos dizer que a coleção tem uma grande profundidade dentro dos artistas que a compõe. Na média, temos perto de 20 obras de cada artista que colecionamos.

 

No total, qual a dimensão da coleção?

A gente tem hoje mais de 2 mil obras.

 

Quais são seus artistas preferidos?

Essa é uma pergunta que, se eu responder, vai causar uma ciumeira terrível. Nós temos hoje mais de 100 artistas na coleção e tem um grande número de artistas dos quais gostamos muito, então eu não vou citar nenhum para não magoar outros.

 

Você construiu um galpão na Lapa recentemente para abrigar essa coleção?

Nós fizemos um espaço expositivo que batizamos de Galpão da Lapa que tem como objetivo armazenar e expor parte da coleção, o que nos deu muito prazer, porque pudemos não só ver muita coisa que estava guardada como também compartilhar com outras pessoas interessadas em arte contemporânea.

 

Você também mantém o apartamento na Avenida São Luís, que havia sido de Marcantonio Vilaça?

Essa foi uma primeira iniciativa que a gente fez 15 anos atrás. Naquele momento queríamos um espaço para expor a parte mais contemporânea e fizemos isso.

 

Então sua coleção está dividida entre suas residências em São Paulo, Nova York, esse apartamento, o galpão…

Eu gostaria de tirar a ênfase da entrevista de mim e passar para a Bienal.

 

Você recomenda que as pessoas invistam em fundos de obras de arte?

Não recomendo. Eu acho que arte –sempre defendi isso- deve ser comprada para te dar prazer, para te enriquecer pessoalmente, para que aquele convívio te transforme de alguma maneira. No entanto, diferente de outras coisas que te dão prazer, carro, vestido, sofá, computador, celular, mas diferente dessas outras coisas, arte corre o risco até de valorizar. Mas eu não acho que a compra de arte deve ser motivada por uma decisão em investimento.

 

O que você poderia dizer sobre essa nova diretoria-executiva da Bienal?

Nós temos uma composição de talentos na diretoria. Temos dois advogados, que são o José Francisco Pinheiro Guimarães e a Ana Paula Martinez, nós temos um auditor, que é o Lucas Melo, temos um homem da comunicação, que é o Luiz Lara, nós temos a Andrea Pinheiro, que é do mercado financeiro e vai nos ajudar a levantar recursos para a Bienal, nós temos o Marcelo Araujo, que é um gestor de instituições culturais, e nós temos finalmente o Fernando Schuler, que é um professor e pensador.

 

Qual será o papel do Marcelo Araujo como vice-presidente da Bienal?

Marcelo vai ter um papel fundamental, porque o projeto que eu também quero implementar na minha gestão é de buscar uma outra missão para a Fundação Bienal. Ela está tão bem estruturada que ela tem capacidade de fazer mais do que apenas as três exposições a cada dois anos. É um projeto que eu ainda vou apresentar ao Conselho, mas tem a ver com a preservação da memória das artes, então o Marcelo vai ter um papel fundamental de nos ajudar a realizar isso. Nós já temos um embrião importante dentro da Bienal que é o Arquivo Wanda Svevo, que é o acervo documental de todas as 33 Bienais que já foram realizadas. Eu pretendo propor que ele seja ampliado.

 

Mais alguma coisa você poderia adiantar do que está pensando para sua gestão?

Eu acho que nesse momento eu adoraria ver a nossa Bienal cumprir um papel de trazer todo mundo junto num país que está dividido. Eu gostaria de ver a Bienal trazer todo mundo junto em torno das artes. Acho que a Bienal deve ser um símbolo que os distintos, os diferentes são capazes de conviver, é nesse sentido que a gente pode dar uma mensagem muito importante para todo mundo, de como é que todos os distintos se unem na missão de realizar um grande evento de arte.