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O Caso Dora é construído com imagens de arquivo e reencenações de obras da história da arte, como Olympia, de Manet, que, na versão de Dora Longo Bahia, lê o Petit Livre Rouge de Mao deitada em um divã (Foto: Divulgação)
Postado em 08/04/2016 - 6:29
Reencenações da arte
Filme-ensaio de Dora Longo Bahia, que inaugura sala de projeção da Vermelho, analisa o papel da arte e a condição do artista a partir de uma interpretação da histeria
Paula Alzugaray

O Caso Dora, primeiro longa-metragem de Dora Longo Bahia, faz referência ao primeiro caso publicado por Sigmund Freud em 1905, em que o psicanalista expõe as condições de tratamento de uma paciente de 18 anos, diagnosticada com histeria. Por resultar de pesquisa acadêmica (na Faculdade de Filosofia da USP), o filme tem uma densidade incomum. De fato, devem-se contabilizar aqui não apenas os dois anos de estudo pós-doutoral, mas camadas de pesquisas acumuladas em trabalhos anteriores, que conferem à presente obra de Dora Longo Bahia uma dupla condição de maturidade e frescor.

As identidades complexas e complementares de seus objetos de estudo anteriores – Marcelo do Campo 1968-1975 (2006) e Do Campo à Cidade (2010) – se sobrepõem para formar a identidade difusa da personagem protagonista de O Caso Dora, Rosa. “Essencialmente dividida e alienada, torna-se o locus de uma identidade impossível”, define a artista no relatório final da tese. “Enterra-se em realidades falsificadas, queima-se em revoluções impossíveis e afoga-se em reencenações.”

Se para Freud a histeria é uma patologia que gira em torno da problemática da identidade de gênero feminina, para compor esse alter ego com o difícil papel de fazer uma reflexão autobiográfica sobre a posição do artista na contemporaneidade, Dora Longo Bahia se serve do conceito de histeria de Lacan. Segundo o discípulo de Freud, o histérico é o indivíduo que apresenta um desconforto em relação ao seu papel simbólico. Essa personagem de máscara simbólica indefinida e rarefeita criada por Longo Bahia, portanto, coloca a arte no divã e questiona seu papel de artista. O filme é construído em dois tempos “simétricos” e três eixos “que se intercalam e contaminam – ficção, documentação e falsificação”, define a artista. A primeira parte diz respeito aos acontecimentos derivados de maio de 68, das estratégias de controle social e das teorias da Sociedade do Espetáculo – exploradas previamente em Marcelo do Campo. A segunda parte atualiza essas questões no contexto do Movimento Passe Livre, em junho de 2013, São Paulo.

Em um hábil jogo de espelhamentos, o filme sobrepõe tempos e espaços, trazendo para essa sessão de análise da condição do artista contemporâneo elementos como a peça Ricardo II, de Shakespeare, O Livro Verde do ditador líbio Muammar Kaddafi, e A Negra, de Carmela Gross – editados e recontextualizados em uma narrativa fragmentária composta no rastro das Passagens de Walter Benjamin.

No contexto de distopia e desilusão que o brasileiro vive hoje em relação às instituições políticas, o filme traz respostas, afirmando a arte e a rua como lugares de liberdade e propondo a arte contemporânea como “o último refúgio do pensamento revolucionário”.

Serviço
Galeria Vermelho
Rua Minas Gerais, 350, São Paulo
De 8 de abril a 4 de junho
De terça a sexta, das 10 às 19; sábado, das 11 às 15h