icon-plus
Foto da série Maracatu Rural (2025), de Rao Godinho [Foto: cortesia do artista]
Postado em 18/03/2025 - 12:01
Caboclo de Lança: A resistência cultural sob a lente de Rao Godinho
Fotógrafo paraense traz de viagem a Engenho Cumbe, distrito do município de Nazaré da Mata (PE), retrato do maracatu rural

Em uma região onde a cultura se funde organicamente com a paisagem, o fotógrafo Rao Godinho desafia as representações convencionais da Amazônia. Suas imagens não se definem pela visão exotizada mais comumente presente na fotografia desse bioma ou pela densa floresta tropical, mas buscam capturar a complexidade humana que habita este vasto território. Embora seu nome tenha ganhado destaque crescente no circuito internacional da fotografia, sua trajetória teve um início quase acidental — um jovem curioso registrando sua cidade natal para compartilhar com amigos. O que começou como um simples exercício de observação evoluiu para um projeto que questiona e redefine a iconografia da região amazônica.

A lente de Godinho vai além da Amazônia. Sua sensibilidade se estende para captar manifestações culturais que resistem ao tempo e à homogeneização global. No Carnaval deste ano, esteve em Pernambuco, onde um personagem essencial do Maracatu Rural ecoa o espírito de resistência: o Caboclo de Lança. Com sua indumentária, composta por espelhos e lanças, ele encarna uma fusão singular de influências afro-brasileiras e indígenas, um testemunho vivo da história e da força cultural do Nordeste.

 

Foto da série Maracatu Rural (2025), de Rao Godinho [Foto: cortesia do artista]
A força do Caboclo de Lança e do Maracatu Rural atualizam a visão de Mário de Andrade, que percorreu o Norte e Nordeste do Brasil em 1927 pesquisando e registrando manifestações populares e ressaltou sua importância na formação da identidade nacional. Em Turista Aprendiz, Andrade descreve o impacto visual e simbólico dessas tradições, destacando como resistiram ao tempo e à tentativa de apagamento. Para ele, o Carnaval era uma celebração da memória coletiva e da força criativa do povo brasileiro. 

De acordo com Godinho, “algumas fontes consideram o caboclo de lança um ‘guerreiro de Ogum’, pois há um sincretismo afro, cristão e indígena. Sua história está na roupa. Fui ao Engenho Cumbe, distrito do município de Nazaré da Mata, para ver onde tudo começou”, conta o artista à celeste.

O projeto HUMANAMAZONIA emerge como um contraponto necessário à visão idealizada da Amazônia. Dentro dessa série, a fotografia Carambela, tirada em 2011 em Manicoré – AM, se destaca como uma das mais emblemáticas, pela precisão da composição, aliada ao domínio da luz e do contraste. “Tenho várias imagens premiadas, e Carambela foi a mais premiada delas, acho que 6 ou 7 vezes”, afirma o fotógrafo. 

Carambela (2011), de Rao Godinho [Foto: cortesia do artista]
Além de sua prática fotográfica, Godinho integra o movimento Slow Food Internacional, que defende a alimentação sustentável e a preservação da biodiversidade. Sua obra foi levada a diversos países, incluindo a Grécia, onde sua abordagem humanista encontrou uma audiência atenta e engajada. Seu trabalho reforça que a fotografia é uma poderosa ferramenta de diálogo e reflexão sobre a identidade e os diversos fragmentos culturais que formam nossa história coletiva.