Desde a intervenção artística de MIA no dia da abertura da SP-Arte, cinco dias atrás, estou com a pergunta que ele escreveu num painel vazio da feira – “Cadê a arte preta?” – na cabeça enquanto percorro todos os dias os dois extensos pisos do Pavilhão da Bienal, na cobertura jornalística para a seLecT_ceLesTe.
Gosto da resposta de Rafael RG, no dia mesmo da performance-protesto, de que “a arte preta está em toda parte”. O artista se refere ao que tem aval do mercado, apresentando ali mesmo, na SP-Arte, ao que tem aval institucional, acontecendo em museus Brasil e mundo afora, mas sobretudo ao que não precisa de aval para existir, nos espaços independentes, no espaço urbano, na vida. No que se refere ao contexto da feira, muitos artistas pretos estão expondo suas obras, certamente não em número que ateste equidade, o que também seria verdadeiro afirmar em relação a artistas mulheres e a artistas trans, a artistas indígenas e a nortistas.
Entretanto, seria capcioso devolver a pergunta de MIA com questionamentos só aparentemente semelhantes: Cadê a arte trans? Cadê a arte indígena? Cadê a arte de mulheres? Cadê a arte do Norte do país? São perguntas legítimas, que também encontram resposta no próprio pavilhão, onde estão expondo artistas de todas essas minorias identitárias, e mais respostas ainda para além do concreto sinuoso de Oscar Niemeyer. A diferença entre as perguntas reside no protesto contido na ação do artista, contra um sistema que só “inclui” para tornar mais patente a “exclusão”: “Quantos pretos vocês viram se divertindo aqui? Quantos artistas pretos vocês viram desfilando por aí? Um mercado de arte gigantesco que só segrega a gente”, afirmou MIA à repórter Eloisa Almeida.
O que salta aos olhos do visitante assíduo da SP-Arte é a diferença da edição deste ano em relação à de 2022 no que se refere à presença expressiva de retratos de pessoas pretas. No ano passado, de Kehinde Wiley a O Bastardo, parecia que a arte preta — na figura da autorrepresentação preta — tinha tomado todos os espaços de destaque. Um ano depois, não vemos tantos retratos, exceto o de artistas definitivamente militantes do gênero, como Larissa de Souza, Brendon Reis, e Alexandre Ignácio Alves. A maioria dos artistas pretos parece ter migrado para seus temas de maior interesse depois do boom dos retratos, por muitos considerado um dispositivo de afirmação que já cumpriu seu papel.
Um dos principais defensores da ideia alargada de uma pós-arte-preta [post-black art, como definida nos EUA dos anos 1990 para designar a prerrogativa de artistas pretos na escolha de seus suportes e assuntos de predileção, independente da tematização da identidade preta], Maxwell Alexandre optou por expor na feira, no estande da galeria A Gentil Carioca, uma obra deliberadamente endereçada a São Paulo e seus agentes culturais: Sem Título (2023), da série Festa de 500 Anos, conjunto de oito pinturas sobre papel que reproduzem um tweet do jornal Folha de S.Paulo divulgando uma matéria sobre a polêmica no Inhotim com título que foi criticado pelo artista e vários colegas, pelo caráter racista.
Conheça, a seguir, a seleção seLecT_ceLesTe de melhores estandes da SP-Arte 2023 para refletir sobre a pergunta de M.I.A.: