Primeira consideração: pode ser libertador perceber que muitas das promessas utilizadas para incentivar que nos esforcemos mais são, na verdade, falácias, uma vez que a realização e o sucesso (do modo como são reconhecidos em nossa sociedade) raramente estão nas mãos dos que trabalham com maior resiliência.
Segunda consideração: o filósofo e romancista Albert Camus (1913-1960) afirmava que os mitos são feitos para que a imaginação os anime. No panteão grego, Sísifo teve como condenação de sua imprudência e arrogância a árdua tarefa de rolar montanha acima uma pedra que, ao aproximar-se do cume, caia de volta a seu ponto de origem. O trabalho fatigante demonstrava o absurdo de um enorme dispêndio de energia que resultava em nada, ou quase nada.
Terceira consideração: o trabalho artístico possui uma dimensão expressiva, voltada à alguma alteridade. Uma maneira de concebê-lo é pensar que a arte é uma sequência de presentes não solicitados que os artistas entregam ao mundo. Ainda assim, muitas vezes as obras nunca saem do ateliê do artista, ou nunca chegam a seus possíveis destinatários.
Esta edição do Arte Atual Festival relembra o exemplo de Sísifo: a repetição do gesto sem um fim determinado, que atribui ao condenado a insensatez de ser levado à exaustão eternamente. Essa repetição absurda e o labor incansável que quase sempre recai no mesmo lugar, torna-se uma metáfora de nossos desejos, por vezes sísificos diante de seus destinos.
Para Camus, se o mito parece trágico é porque seus atores se fazem conscientes. É na consciência da artificialidade dos propósitos e justificativas do trabalho que a insistência no gesto pode tornar-se, por um lado, trágica, ou, por outro, liberada para definir seus próprios critérios de sucesso.
A ambiguidade dessa consciência pode ser lida em exemplos mais terrenos, como se diante das mais absolutas armadilhas fosse possível o nascimento dos pensamentos mais livres. Segundo Camus, é o começo irrisório de uma cadeia de gestos cotidianos que tem a capacidade de romper com a mecanicidade da vida. Seria a consciência dos mais variados despropósitos que nos tornaria libertos. É do irrisório e do banal que proveria aquilo que denomina uma das vocações do trabalho artístico: o de aplicar-se concomitantemente em não ser nada e em ser muito.
As práticas artísticas reunidas na exposição demonstram, em muitos casos por contradição e absurdo, que destituir a arte de uma finalidade é um dos meios de conferir potencialidade aos seus processos.
Para a matemática, demonstração por absurdo é uma prova de que algo é falso pela comprovação de que seu inverso é verdadeiro. Trata-se de um método considerado bruto, deselegante, por chegar a seu objetivo por vias não construtivas. Na arte brasileira, que presa tanto por sua clareza formal e pela chamada “vontade construtiva”, é raro que nos debrucemos para apostas como as trazidas por esses artistas. São atitudes que se movem pelo desejo de fazer, investigar, questionar e que podem, por vezes, serem lidas como uma teimosia algo arbitrária e ilógica. Porém, é no desvelar de seus processos, que suas dispendiosas apostas revelam-se tão potentes ao choque com a hostilidade do contexto presente.