Os Anos
Annie Ernaux, Tradução Marília Garcia, na voz de Isabel Teixeira, Supersônica, R$ 63,90
Com leitura da atriz e dramaturga Isabel Teixeira, a narrativa autobiográfica Os Anos vem endossar o já extenso catálogo de Annie Ernaux na plataforma Supersônica de audiolivros, em parceria com a Editora Fósforo. Da autora, Prêmio Nobel de Literatura de 2022, estão disponíveis também Paixão Simples, A Vergonha, O Lugar, O Acontecimento e o arrebatador O Jovem, em que Ernaux desafia o machismo e o etarismo narrando o relacionamento amoroso e sexual com um homem 30 anos mais novo. A Supersônica é um site com acessibilidade total para deficientes visuais, concebido por Maria Carvalhosa e coeditado por Daniela Thomas, Beatriz Bracher e Mariana Beltrão. Um projeto audacioso e apaixonado que trata a literatura como experiência total.
Freshwater: Uma Comédia
Virginia Woolf, Editora Nós, 200 págs., R$ 79
O único experimento teatral de Virginia Woolf (1882-1941) ganha tradução para o português e é um exemplo de como a autora de Orlando faz uso do humor, da ironia e da sátira para explorar criticamente questões como identidade, gênero e performatividade nas relações sociais. “A farsa, que muitos consideraram um presente de aniversário para sua sobrinha Angelica Bell (1918–2012) ou um simples interlúdio entre projetos mais exigentes, esconde em seu cerne um experimento artístico político-feminista de grande relevância”, anota o tradutor Victor Santiago na apresentação do livro. A peça, que se oferecia como uma lufada de ar fresco em tempos de guerra e fascismo na Europa dos anos 1920-30, pode, sem dúvida, representar um papel semelhante cem anos depois.
Antonio Manuel: Incontornáveis
Org. Antonio Manuel e Paulo Venancio Filho, BEĨ Editora, 208 págs., R$ 180
Incontornável pensar em Antonio Manuel sem lembrar de um dos trabalhos mais radicais do que se convencionou chamar de arte-mídia – ou intervenções críticas em meios de comunicação –, a série Clandestinas (1973), em que o artista se infiltrou no departamento de arte da redação do jornal O Dia, rediagramou matrizes descartadas com textos delirantes, imprimiu dezenas de cópias de cada uma e distribuiu extraoficialmente por bancas de jornal do Rio de Janeiro. Pois bem, alguns bons 50 anos depois, no “livro-exposição” Antonio Manuel: Incontornáveis, vislumbramos a centralidade que o dispositivo-jornal teve e continua tendo para Manuel. A publicação reúne trabalhos inéditos da série Incontornáveis (2020), feitos durante o confinamento da pandemia, quando janelas para a experiência da rua e do mundo eram abertas pelo artista por meio de rasgos, cortes e recortes dos jornais lidos diariamente.
Soroca
Angela Marsiaj, Editora Hecatombe, 320 págs., R$ 60
Soroca começa com uma chuva de verão em São Paulo, dessas que têm alagado a cidade, movido carros e enfurecido os cursos d’água, que ressurgem em buracos quando o asfalto cede – as chamadas sorocas. A personagem de Marsiaj, Petra, é uma jornalista pesquisando o Verde, córrego canalizado sob a região de Pinheiros. A esse começo de texto se entrelaça a vida de Petra, sua relação com a filha Joana e a vida de personagens que vêm e vão, marcadas pela história de outros rios e córregos, em uma rede não cronológica de relações que espelha a malha hídrica e suas confluências. O rio corre, reverte, desacelera, deságua. Em romance inaugural, Marsiaj escreve com as mãos de quem sabe controlar a narrativa e, ao mesmo tempo, navegar por onde ela pede. Para quem acompanha as explorações literárias das nossas últimas edições, recomendamos ler também o livro de Marsiaj: um estudo histórico, afetivo, social e urbano que segue o fluxo das águas paulistanas.
À Beira do Araguaia
Francisco Neto Pereira Pinto, Editora Mercado de Letras, 88 págs., R$ 41
Aqui temos 14 contos a serem lidos em ordenamento livre – à moda de O Jogo da Amarelinha (1963), de Julio Cortázar, ou Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos. Gira em torno das mesmas personagens: Ana e Pedro, um casal, e o Rio Araguaia. As escolhas do que representar – uma parte da paisagem, uma mordida de comida, um tecido, uma iluminação – formam um imaginário sensorial. Uma espécie de escritura pintada, que adiciona tons e cores e que flui sem ser atravancada por adjetivações. As escolhas não apenas descrevem, mas também ditam a passagem do tempo na beira do Araguaia, em que a vida é ritmada pelos eventos observados; e também fornece a construção subjetiva das próprias personagens como resultado da objetividade do que valorizam. Anteriormente publicado sem qualquer pontuação – experimentação formal que acabou limando sua legibilidade –, está agora republicado em versão editada pelo autor.
Renato Valle
Org. Bruno Albertim, CEPE, 292 págs., R$ 170
Renato Jorge Valle (1958, Recife) ingressou nas artes por meio de dedicação autodidata ao desenho. Na primeira exposição coletiva, aos 20 anos, participa com desenhos de nanquim sobre papel. A partir daí, passa a ter aulas com Francisco Neves; no ano seguinte, já participa do 32º Salão Oficial de Arte de Pernambuco e do 7º Salão dos Novos. Segue então conectado com a cena artística pernambucana, tornando-se uma de suas figuras notáveis. O livro perpassa a produção pictórica prolífica do artista: pesquisas sobre representação, desenho e convenções do figurativo que atravessam registros diversos. Com capa dura, reproduções cuidadosas e textos de Moacir dos Anjos, Marcus Lontra, Renata Bittencourt, Agnaldo Farias, Diego Töde, Joana D’Arc Lima e do organizador Bruno Albertim.
Luisa Strina 50
Org. Kiki Mazzucchelli e Oliver Basciano, Act. Editora, 400 págs. R$ 300
“Arte é um bem que faz mal.” O recado, assinado por Julio Plaza e datado de 1979, foi escrito em um guardanapo de papel para a “grande dama da arte brasileira” – como Luisa Strina foi destacada pelo jornal The New York Times em reportagem realizada por seus 80 anos, em dezembro de 2023. Um ano depois, em dezembro de 2024, os 50 anos da Galeria Luisa Strina é que são festejados com exposição e livro. O bilhete de Plaza abre o livro ao lado de dezenas de telegramas, cartões-postais e cartas de diversos companheiros de estrada da galerista, diagramados nas 32 páginas introdutórias das 400 páginas de Luisa Strina 50. Dividido em seis períodos, o livro apresenta o que os organizadores Kiki Mazzucchelli e Oliver Basciano consideraram a crème de la crème das exposições da galeria. Um catálogo de respeito, com cerca de 70 artistas brasileiros e internacionais que passaram pelos dois endereços da Rua Padre João Manuel, em SP.
Palavra – Caderno-Ensaio 2
Org. Divina Prado, Felipe Carnevalli e Gabriela Moulin, Instituto Tomie Ohtake, 240 págs., R$ 80
Apostando em diversificar formatos e experiências com publicações, o Instituto Tomie Ohtake lança a segunda edição da coleção Caderno-Ensaio, que expande para as páginas impressas as pesquisas desenvolvidas nas exposições. O campo estudado agora não poderia responder melhor ao projeto: Palavra. Em 2024, dois grandes “projetos-ensaios” colocaram as palavras em primeiro plano: a mostra Gira da Poesia, sobre a trajetória do slam no Brasil, e a exposição Esperar Que a Letra se Forme, de Mira Schendel – que gerou outras duas publicações: um jornal com uma coletânea de textos de e sobre Schendel e um livro assinado pelos curadores Paulo Miyada e Galciani Neves. Expandindo as exposições, o Caderno-Ensaio traz experimentações com a palavra de autores como Fabio Morais, Ricardo Aleixo, Noemi Jaffe e Jaider Esbell.
Arquivo Ota
Bruno Porto e Marcelo Martinez, MMarte Produções, 144 págs., R$ 120
Otacílio “Ota” D’Assunção Barros “partiu” em 2021, deixando uma vasta produção cartunística e um legado para a publicação de HQs brasileira. Responsável pela publicação da versão brasileira da Mad (na antiga Editora Vecchi e também na Record), Ota editou títulos gringos para o mercado brasileiro, ajudou a consolidar o gênero no país e publicou suas próprias produções. Seus cartuns desembocaram na criação do seu alter ego desenhado, além de séries cômicas de crítica política e social. Se as suas produções nem sempre envelheceram tão bem no sentido político, o mesmo poderia ser dito para o restante dos cartuns da época; o importante nesta biografia visual é retomar o sentido apaixonado, comprometido (e caótico) do trabalho de uma vida inteira. O projeto visual de Martinez mistura documentos, obras, anotações e fotos para, mais que contar uma história, criar uma homenagem visual que captura a essência da personagem Ota – e do homem Otacílio.