Demir sempre pintou cenas de cidades do interior e trabalhadores do campo. Nascido Valdemir da Silva, em Brazlândia, distrito de Brasília, nunca frequentou curso de arte, mas participou de salões e exposições a partir dos anos 1980 e diz que sua arte “está no sangue”. A mãe era poteira e o pai, ferreiro. Pai de seis filhos, nunca deixou de pintar, mesmo quando teve de trabalhar como motorista ou garçom para o sustento da família. Mas na pandemia tudo mudou.
Recém-separado da esposa, mudou-se para Olhos D’água, vilarejo de mil habitantes na Chapada dos Veadeiros, passando a viver em uma Kombi adaptada como motorhome e ateliê. Foi ali que suas telas de cenas bucólicas da vida rural foram invadidas por seres extraterrestres. Eles estão lá, entre os camponeses, violeiros e hippies, entre as crianças e o casario de Olhos D’Água, sempre em situações domésticas e aprazíveis. Isso quando o povo não está sendo abduzido por naves espaciais.
As cenas são, de certa forma, autobiográficas. Os botequins e as pistas de dança frequentadas pelos ETs, remontam à infância de Demir, quando a mãe servia comida para violeiros em uma cantina. Os contatos imediatos de primeiro grau experienciados quando jogava bola, de menino, ou mesmo recentemente, logo que se mudou para Olhos D’Água, também foram decisivos para a temática que domina seu desenho. Diz que nunca foi caçador de discos voadores, que eles aparecem de repente, quando menosse espera. “Teve uma época que eu estava com problemas de insônia, acordava às 3 da madrugada, saía pra contemplar as estrelas e via os discos deslizando no céu, tipo trem, andando lentamente”, conta à seLecT_ceLesTe.
Certa vez, Demir pintou uma tela sobre a chegada da família nordestina ao Centro-Oeste. Eu e Minha Mãe no Pau de Arara (2004) ganhou o segundo lugar em um salão de Brasília e entrou para a coleção do Sesc. Agora, no giro dos óvnis, seu trabalho volta a circular. Em novembro, ele tem exposição individual organizada em Goiânia por Marcelo Solá e patrocinada pela Hidrolands Grafisch Atelier, a editora de livros e obras gráficas do artista goiano. “Encontrei ele por acaso em Olhos D’Água. Vi ele pintando na varanda de uma casa e me interessei logo pela temática. Só que ainda não sei como encaixar ele”, responde Marcelo Solá quando questionado se o surrealismo seria uma chave de leitura do trabalho. “O que me interessa em artistas outsiders é seu modo de produzir, sem ambições de veiculação e catalogação do trabalho, sem complicações. Eles produzem por produzir.”
Demir faz pinturas a óleo sobre tela, aquarelas e desenhos sobre papel. Nas experimentações para a sua primeira individual, os novos desenhos em preto e branco salientam a composição mais arejada dos elementos representados. Em vez das cenas da vida com intervenções disruptivas – os ETs –, agora todas as figuras se descolam totalmente do real. Os céus da Chapada estão hiperpovoados não só por óvnis, mas por tantos outros objetos facilmente identificáveis – de Fuscas com hélices a cavalos e homens alados – que flutuam no espaço da superfície do papel, disputando o imaginário errante desse artista do Cerrado.