Para exposição individual na Cristina Guerra Arte Contemporânea, em 2014, o artista norte-americano Lawrence Weiner ampliou seu trabalho com linguagem, incorporando palavras da língua portuguesa. Em Lisboa, sua frase-obra “Placed on Either Side of the Light” (1999) ganhou nova versão em que a sentença é traduzida para o português: “Colocado em Ambos os Lados da Luz”. Adquirida pela Fundação EDP, a obra foi instalada no lobby da nova sede, inaugurada há um ano, com projeto do premiado arquiteto português Manuel Aires Marteus.

“Esta frase pode ser lida como um statement da empresa, que olha para os dois lados da luz: a energia e a responsabilidade social”, diz o presidente da Fundação EDP, António Mexia, no início de uma visita guiada com grupo de jornalistas que não tardaria a se tornar uma grande performance ao longo das generosas salas, auditórios e escritórios da Fundação.
A luz a que se refere Mexia é a gerada pela EDP (Energias de Portugal), mas também aquela que é atributo natural de Lisboa – seja por sua posição em relação ao Tejo, que funciona como um espelho, seja por seu casario baixo de cores claras, ou pelo brilho emitido pelas calçadas de pedras polidas por séculos de pisadas. Mas mais que de luz natural ou artificial, estamos falando da luz como metáfora da abertura da cidade ao mundo e da atenção que ela desperta hoje entre vizinhos europeus e nações além-mar que falam a mesma língua.
A ARCOmadrid, criada em 1982 e considerada hoje a principal plataforma comercial para a arte latino-americana no continente europeu, escolheu Lisboa como primeira etapa de seu projeto de expansão. Nesta segunda edição, que aconteceu de 17 a 21/5, ficou evidente seu efeito para a ativação da cena da arte contemporânea em Lisboa. Mas quais atrativos a empreitada portuguesa (com 58 expositores) oferece para os negócios da ARCOmadrid (que teve 200 expositores em março passado)?

“Ifema [Instituição de Feiras de Madrid, que organiza feiras de diversos setores econômicos] é uma empresa pública cuja missão é gerar riqueza em torno das marcas de Madri. Mas não é só um negócio que pretende gerar margem comercial, e sim riquezas e contatos”, diz Carlos Urroz, diretor da ARCO, à seLecT. “Portanto, é importante que a feira de Portugal seja feita pela ARCO, ainda que este não seja o melhor negócio do mundo, no momento. Seria pior para Ifema e ARCO que esta feira fosse organizada por outros”.
Como apontou a jornalista portuguesa Isabel Salema, do jornal O Público, “os brasileiros na ARCOlisboa são uma pequena maioria”. Com 13 países representados, o Brasil é o país estrangeiro com maior presença – depois da Espanha, organizadora do evento –, com 4 galerias. Estiveram presentes nas duas edições a galeria Vermelho, a Jaqueline Martins e a Baró. Saíram Luisa Strina e Luciana Brito, e entrou Anita Schwartz. Todas elas galerias que fazem a feira de Madri.
“Pelo tamanho da feira, com menor quantidade de galerias, o stand fica com mais visibilidade e a gente tem mais tempo pra ficar com o colecionador. Ele tem mais tempo, porque a feira é menor. Você não concorre com tantas galerias do teu porte. Isso pode gerar negócios. Por isso voltamos este ano”, diz Eduardo Brandão, diretor da Vermelho, que trouxe obras de Marcelo Cidade, Lia Chaia, Cinthia Marcelle (recentemente laureada com menção honrosa na 57ª Bienal de Veneza) e Marilá Dardot, residente em Lisboa há um ano e meio.
“É acessível, não representa grande custo, é um mercado sério e a cidade é deliciosa”, diz Maria Baró, que entre outros representa o português Rui Calçada Bastos, que já esteve no Brasil em residência no Ateliê Fidalga.
À exceção da galeria Ángeles Baños, de Badajoz, todas as galerias espanholas participantes estiveram em março em Madri. Mas ao contrário do que poderia parecer uma sobreposição, Urroz argumenta que a nova feira “permite que algumas galerias espanholas possam se concentrar em solo shows, em vez de trazer todo o seu programa de artistas”. Como Max Estrella, de Madri, que na Espanha dividiu o stand entre dez artistas e aqui montou um solo de Leyla Cárdenas.

(Foto: Divulgação ARCOlisboa)
Já a carteira de visitantes e compradores tem, a princípio, poucas variações entre as duas feiras da Península Ibérica. “Há três grupos de compradores”, explica Urroz. “Os colecionadores portugueses tradicionais, que estão em nosso comitê de honra, com acervos muito estruturados. Segundo, um grupo de colecionadores estrangeiros que estão comprando casas e propriedades em Lisboa, que vem da França, do Brasil e outros países. Terceiro, nosso grupo de colecionadores internacionais convidados – que depende muito das galerias, pois são seus clientes ou potenciais clientes”.
Entre os colecionadores portugueses “tradicionais” incluem-se o empresário Joe Berardo, que abriu em 2007 uma instituição museológica para expor sua coleção e exposições temporárias em Lisboa; o empresário Sindika Dokolo, proprietário de uma das mais importantes coleções de arte contemporânea africana; o empresário Paulo Pimenta, colecionador residente em Porto; António Cachola, colecionador da cidade de Elvas, Sul de Portugal; e António Mexia, da Fundação EDP.
A ARCO divulgou que entre as obras adquiridas para a coleção da Fundação EDP destacam-se Ana Vidigal (Galeria Bagisnki), Gil Heitor Cortesão (Pedro Cera), Patrícia Almeida (Pedro Oliveira), Marco Pires e Vasco Barata (Fonseca Macedo), Carlos Roque e Miguel Palma (Galeria Presença). Todos artistas e galeristas portugueses. A coleção da Fundação EDP vem sendo formada desde 2009 e hoje tem cerca de 1500 obras de mais de 400 artistas, em sua maioria portuguesa.
Já a Fundação Serralves, considerada a mais importante coleção de arte contemporânea internacional de Portugal, incorporou ao seu acervo, além de portugueses, uma obra do angolano Yonamine (Cristina Guerra) e outra do italiano Renato Leotta (Madragoa). A preponderância de aquisições de artistas locais por grandes coleções repete um comportamento que também experimentamos no mercado brasileiro. Por outros motivos, decerto.
“O colecionador português tem um sentido de compromisso muito arraigado com o artista local”, afirma o galerista espanhol Pedro Maisterra, que acaba de abrir uma galeria no bairro de Alvalade, com uma mostra coletiva que inclui os “locais” Leonor Antunes, Joana Escoval e André Romão e os estrangeiros Haris Epaminonda, Iman Issa, Magdalena Jitrik e Christodoulos Panayiotou. “Mas não nos detemos em questões de nacionalidade”, continua Maisterra. “Um artista de Angola deixa de ser angolano quando assimilado pelo mercado”, dispara.
A galeria Maisterravalbuena trabalha com artistas jovens em início de carreira e escolheu Lisboa como sede do segundo espaço por considerar que “Berlim já está saturada”. É certamente a primeira espanhola a se aventurar em solo lusitano e possivelmente a primeira das muitas estrangeiras que deverão lá aterrissar na próxima década.

“O que era Berlim há 15 anos, Bruxelas há 5 anos, agora parece ser Lisboa”, diz o holandês Jaring Dürst Britt, da Dürst Britt & Mayhew, que veio à seção Opening, da ARCOlisboa, dedicada a jovens galerias.
Também na Opening, o jovem galerista português Francisco Fino inaugurou segunda-feira (15/5) sua galeria em Alvalade, com a mostra coletiva Morphogenesis, ostentando bom equilíbrio entre artistas portugueses e internacionais. “O colecionador português é extremamente tradicional. Compra o que seu pai ou avô comprariam”, diz Fino à seLecT, com a propriedade de ser, ele mesmo, neto de colecionadores, e a disposição de mudar esse cenário.
Todos os sinais indicam que a tendência de um colecionismo nacionalista tem data para acabar. Embora os preços do setor imobiliário de Lisboa, Porto e Algarve – que atraiu uma boa comunidade de artistas estrangeiros – tenham subido 107% em 2016 e triplicado nos últimos 3 anos, o custo e a qualidade de vida em Portugal ainda é extremamente atraente em relação à Europa e ao Brasil. “Muitos colecionadores da França e da Bélgica estão se mudando para cá. Por questões ligadas à insegurança política ou benefícios fiscais”, diz Francisco Fino. Com tudo isso, especula-se se Portugal vive hoje uma bolha imobiliária, ou não.