O projeto começou a ser acalentado há 15 anos: construir uma morada para grande parte da coleção de 5 mil itens que o colecionador paranaense Orandi Momesso vem formando há 50 anos. “Minhas obras são meus amigos e tenho que criar um lugar para eles, esse é o meu proposito”, diz ele à seLecT_ceLesTe. O Parque Geminiani Momesso é esse lugar. Localizado em área de cerca de 40 alqueires da fazenda de Momesso, no norte do Paraná, o parque foi aberto para convidados em uma espécie de soft opening, no final de outubro, por ocasião da inauguração da instalação Espaço Arco-Íris, do artista nipo-brasileiro Yutaka Toyota. Além da obra, realizada em celebração das relações entre Brasil e Japão, o lugar já conta com 60 esculturas a céu aberto de artistas como Rubem Valentim, Siron Franco, Sergio Romagnolo, Gilberto Salvador, José Rezende, Lluba Wolf e Claudio Tozzi.
Um mapa de visitação indica 12 pavilhões em construção – dois deles estão prontos – situados ao longo de caminhos bem traçados entre Mata Atlântica e e um paisagismo exuberante. “Eu imaginava que só abriria o parque ao público quando esses 12 pavilhões estivessem prontos. Mas aí os amigos me fazem ver de que o parque já está praticamente pronto para a visita”, diz o colecionador, antecipando a previsão de inauguração de 2028 para 2025.
A Casa Taipa, para futuras residências de artistas, e o Pavilhão Ângelo Venosa (1954-2022), construído para abrigar uma obra em grande escala do artista paulista egresso da Geração 80, estão ativos. Na galeria com arquitetura do paranaense Reinach Mendonça, a escultura Sem título (1987), de Venosa, está cercada por pinturas de Iberê Camargo, de Ivan Serpa, gravuras de Oswaldo Goeldi e esculturas de Ernesto De Fiori. “A curadoria eu tomei a liberdade de fazer”, diz Momesso.
“A obra do Ângelo é muito misteriosa. É um humanoide, ou um esqueleto de um animal, ou um tronco de árvore calcinado. Então, Iberê, que tem uma obra tão visceral, com a pintura O Homem com a Flor na Boca; depois o Serpa, da fase negra, com uma figura como que gritando por socorro, que poderia ser uma imagem dos conflitos que estamos vivendo hoje. E do outro lado, o Goeldi, com as ruas sempre desertas, os urubus, que poderiam estar olhando para a obra do Ângelo Venosa. E a vista da natureza pujante indica que há esperança”, completa.
Um dos diretores do MAM-SP entre 2005 e 2018, o colecionador diz que a curadoria é algo que alimenta e pratica há 50 anos. Isso se dá especialmente no convívio cotidiano com as obras, tanto na extensão parque, como em casa, entre quatro paredes. “Os Pancetti, com seu clima solar e solitário, estão atualmente no quarto; mas coloquei as obras de Iberê no corredor para, quando passo, não esquecer que a vida é cruel”, diz Momesso, reconhecendo nunca ter sentido falta do diálogo com um curador para pensar os caminhos e as aproximações entre as obras da coleção. “Egoísmo total”, diverte-se.
Ainda que o apego à curadoria seja forte, ele conta com um comitê de diretores no recém-criado Instituto Luciano Momesso – a instituição é uma homenagem ao sobrinho, para a qual as obras, por ora em comodato, serão doadas. O grupo trabalha na composição de um programa educativo que contemple estudantes e famílias de Ibiporã, onde está localizado, e de municípios do entorno, como Londrina, Maringá, Cornélio Procópio, e a cidadezinha de Santa Mariana, onde Orandi nasceu, há 74 anos. “Há uma comunidade enorme aqui e também espero que as agências de viagens possam colocar o parque nos seus roteiros de visita à Foz do Iguaçu”, diz.
LIVROS E PAVILHÕES
Nos próximos dois anos, estão previstas as inaugurações de mais três galerias: o Pavilhão Sagrado, para abrigar a coleção de arte sacra; o Pavilhão A Mão do Brasil, com curadorias realizadas a partir da coleção de 1.000 peças de arte popular; e o Pavilhão Raphael Galvez, que abrirá para exposições temporárias.
A publicação de livros complementa o projeto de exposição e difusão pública da coleção. “A ideia de organizar publicações de artistas é também uma forma de compartilhar com o público recortes da coleção, que é super eclética; abrange arte colonial, mobiliários coloniais e modernos, prataria sacra, obras dos séculos 17 e 18 e arte moderna”.
Momesso editou um volume com um recorte da obra de Raphael Galvez; uma autobiografia do pintor e escultor da segunda fase do modernismo brasileiro; uma publicação sobre sua coleção de 70 obras de José Antônio da Silva; e outra sobre a produção do italiano Mick Carnicelli, que envolveu uma mostra retrospectiva no MAM-SP, com curadoria de Tadeu Chiarelli, em 2004. O próximo lançamento, concomitante à abertura do Pavilhão Sagrado, será um livro sobre a imaginária sacra dos séculos 16 a 19, com textos assinados por Carlos Lemos, especialista em arte sacra.
Receptivo a ideias e comentários, Momesso ouviu com interesse a sugestão de seLecT_ceLesTe em colocar em sua lista de pavilhões a construir e de livros a organizar um projeto dedicado às artistas mulheres de sua coleção. Entre elas, incluem-se Maria Auxiliadora, Eleonora Koch, Maria Leontina, Míriam, Iole de Freitas, Karin Lambrecht e Lygia Reinach. “Eleonora Koch foi muito minha amiga, eu sempre visitava o ateliê dela”, conta. “Um dia, ela me ligou e disse que tinha um presente para mim. Quando fui até lá, ela tirou uma pequena Maria Leontina da parede e disse: isso é pra você. Olha que coisa. Essa é Eleonore Koch”. Obras e amigos. Amigos e obras.
Paula Alzugaray, diretora de redação da seLecT_ceLesTe, viajou a convite do Parque Geminiani Momesso