Os processos de criação em novas mídias são necessariamente colaborativos e a pesquisa do artista Gabriel Massan, que tem foco na construção de mundos para interfaces digitais (leia-se games e anti-games ou game art), instancia as colaborações de maneira absolutamente ética. Exemplo: quando foi convidado para realizar sua primeira exposição individual na Inglaterra, na Serpentine Gallery, em Londres, convidou vários colaboradores para expor com ele: Castiel Vitorino Brasileiro, Novíssimo Edgar, Ventura Profana, Jota Mombaça e LIZZA. O resultado foi a exposição Third World: The Botton Dimension (2023), que chega a São Paulo com implicações importantes.
Enquanto para um público europeu, a expressão “terceiro mundo” acionava, nas palavras do artista, um imaginário de subdimensão, de submundo, no Brasil a fórmula é rechaçada. Terceiro Mundo (2023) existe como crítica / modelo contrapedagógico sobre a colonialidade do poder, com foco principal na extração de bens-viveres, e existe também como infraestrutura para acolher o worldbuilding de outras pessoas artistas, com potencial de ampliação. Castiel e Edgard foram xs primeirxs convidadxs, e confabularam, respectivamente, a fase 1 e a fase 2 do jogo.
O conceito de “worldbuilding”, ainda segundo Massan, em entrevista à celeste durante a montagem da sua exposição na Pina Contemporânea, nasce associado à arte, quando artistas começaram a se apropriar dos videogames, como na obra Super Mario Clouds (2002), de Cory Arcangel. Diferente de Arcangel, que hackeou o cartucho de Super Mario Brothers, Massan costumava gravar a tela do computador enquanto jogava The Sims para em seguida editar o vídeo. Até então o artista atuava como videoartista e escultor digital, “práticas que implodiram e culminaram no worldbuilding dos games”, explica, sobre o primeiro game que desenvolveu, em 2020.
Sobre Terceiro Mundo (2023), Massan explica que os visitantes entram no jogo como agentes responsáveis por coletar e extrair recursos. “Esse contexto leva o jogador a desenvolver uma relação com o espaço, porque a extração garante mais tempo de vida, porém, quando excessiva, destroi o lugar, é uma explicação do colonialismo”, afirma. Cada nível levou um ano para ser desenvolvido. “Os artistas de arte/tecnologia têm criado projetos que passam a demandar a colaboração de instituições, o que é muito benéfico, porque descentraliza as artes, levando-a a outras esferas sociais”, completa. A exposição na Pina coincide com o lançamento de uma versão em português do jogo, pela plataforma Steam, que foi viabilizada pelo museu.
Na montagem da mostra Gabriel Massan: Terceiro Mundo, a Dimensão Descoberta, o artista cria quatro estações de jogo e uma espécie de belvedere que espelha as telas das quatro estações, de onde os visitantes podem contemplar a gameplay dos jogadores. Esse dado da contemplação é significativo, pois o próprio Massan passou a jogar menos quando proliferaram os streamings de games, e ele passou a assistir as transmissões de partidas dos jogos que lhe interessavam. “Eu gostava de ver os personagens e paisagens, os cenários construídos, mais que jogar.”
A mostra segue em cartaz até 2/2/2025 e é indicada para crianças de 0 a 100.