O título da 31ª edição da Bienal de São Paulo acima mencionado é somente uma das várias designações que a equipe curatorial escolheu para nomear a mostra. A Bienal parte do contexto contemporâneo brasileiro e paulistano e, muito antes da abertura, deu início a encontros abertos em todo o País, que hoje continuam a evoluir por meio de palestras e performances. Essa ênfase na temporalidade discursiva da arte se desdobra na arquitetura. O térreo do pavilhão está aberto para a livre circulação, convertido em espaço “público”, e a contagem de visitantes por meio de catracas só começa na subida para o primeiro pavimento.
A partir de um desejo de gerar conflitos, pensar e agir coletivamente, a curadoria intencionou mostrar perspectivas sobre a política, religião, gênero, economia ou as estruturas sociais na vida contemporânea, abrindo caminhos para outras abordagens que transformam a hegemonia da representação de imagens e vozes à nossa volta. Em geral, esses são temas pouco abordados na produção artística contemporânea no Brasil, que ganham nesta Bienal uma visibilidade imprescindível. Se a arte desempenha um papel na reformulação do futuro, muitos dos artistas da 31ª Bienal são representados por projetos de natureza colaborativa. Com poucas atividades artísticas projetadas na cidade, o pavilhão é o espaço agregador dessas iniciativas, que podem dar a impressão de serem mera documentação visual de desempenhos ativistas.
Trazendo a rua para dentro da instituição, o filme Wonderland (2013) de Halil Altindere, é um documento poderoso da raiva, resistência e esperança urbana. O coletivo de hip-hop Tahribad-ı İsyanın, de Istambul, ficou famoso pelos seus vídeos postados na internet e virou protagonista nessa produção comovente que combate a gentrificação num bairro historicamente ocupado pela população Romani. Na mesma linha, e com um tom explicitamente político, projetos como o filme Apelo (2014), de Clara Ianni e Débora Maria da Silva, ou a instalação Espacio para Abortar (2014), do coletivo boliviano Mujeres Creando, discutem a violência sancionada pelo Estado no Brasil ou a repressão de um patriarcado sobre mulheres em países da América do Sul, onde o aborto é ilegal.
A Bienal aborda muitos temas sociopolíticos urgentes e dá ao visitante amplo espaço e tempo para se envolver com eles. Assim, é uma mostra politicamente muito correta. Porém, muitos dos vídeos atingem um tom didático e certas instalações são impossíveis de entender sem o guia na mão. Estes são equilibrados com projetos nos quais o espectador pode se envolver em debates ecológicos diretamente com os artistas ou seus representantes (Otobong Nkanga’s Landversation, 2014) ou ativar a obra com a própria voz, como no karaokê de ruangrupa (RURU, 2010). No entanto, numa era em que a comunicação em rede influencia fortemente a maneira como percebemos e produzimos imagens, a estética das obras em exposição é repetitiva e, com raras exceções, até as que foram produzidas especificamente para a exposição parecem datadas.
*Crítica publicada originalmente na edição #20