icon-plus
Still do videoclipe de É Tudo pra Ontem, de Emicida e Gilberto Gil [Foto: Reprodução YouTube / @emicida]
Postado em 03/06/2024 - 6:19
Como partir, voltar e repartir?
A partir da apresentação de Priscila Tapajowara do projeto da Mídia Indígena para a residência celeste, discutimos as estruturas possíveis para a arte e a vida em comunidade

Laryssa Machada:

A partir do nosso encontro, fiquei pensando muito sobre o que Priscila falou sobre fotografia e comunicação, de o registro vir nesse lugar de necessidade de circular informação de dentro dos territórios, de suas áreas e suas realidades. Por outro lado, o mercado vem com a força de precificar as coisas e é importante, para seguir vivendo e se sustentar, poder fazer ambos: registrar, devolver o registro para os territórios e lidar com o mercado. Penso também o quanto isso se escancara nesse trânsito pro Sudeste. Ou seja, a partir daqui, a gente acaba tendo mais necessidade de vender as coisas e por isso fico pensando radicalmente a partir do lugar de “não-mercadoria” de Davi Kopenawa. Caso não precisássemos de dinheiro, o que faríamos com nosso tempo? Não lembro se essa frase era exatamente sobre arte, ou sobre tempo e desejo de criar coisas no mundo. O que se faria nesse lugar de compartilhar informações, ouvir histórias ou replicá-las, ou inventá-las, ou milhares de outras coisas possíveis?

Como viemos pensando desde o início da residência, sobre esse lugar de estrutura, e que isso está diretamente ligado ao financeiro – como seriam essas movimentações e como seriam essas estruturas para além dessa barreira? Fico pensando, então, nesse exercício e nesse desejo de construir juntxs… como um exercício de imaginação, como seria… Também não precisa ser nada absurdo, uma proposta de infraestrutura para o sistema das artes, mas como seria essa nossa proposta de atividade caso a gente extinguisse essa questão econômica: quais seriam nossos ofícios, o que nos moveria? 

Além disso, também me marcou, agora escrevendo, a fala sobre a tecnologia da floresta, de que é a coisa mais tecnológica que existe e como transmitir essa experiência… Como a gente constrói coisas que transmitam as experiências e relembrem as pessoas? Isso também é um grande ponto de nossas comunicações, de nossos trabalhos. Como ouví-la falando sobre seu território me faz pensar o quanto preciso colocar na minha rotina, por exemplo, agora morando no Rio de Janeiro, esse contato diário com a natureza. Um contato que não é apenas “observar” – que em salvador se fazia frequente de várias maneiras. É esse “contágio” a partir das experiências, que creio ser o que propomos também como “novas estruturas”.

[transcrição de um áudio de Laryssa Machada gravado após o fim da reunião de terça-feira, 28/5]

Printscreen da abertura do videoclipe da canção É Tudo Pra Ontem, cantada por Emicida e Gilberto Gil [Foto: Reprodução YouTube / @emicida]

Sophia Faustino:

Os dois encontros desta semana começaram a dar corpo às nossas ideias, que vêm germinando e decantando desde o início da residência. Para mim, alguns elementos que partem de um entrelaçamento das falas de todas as residentes ficaram reverberando. Todos esses elementos têm a ver com memória: como ela, por vezes, é interna e rumina dentro do nosso próprio corpo. Ou de como ela é, outras vezes, envolta por uma névoa densa, pelas camadas que não nos permitem acessá-las. A lista é enorme: o arquivo, as maneiras como se constituem e são difundidas as resistências das pessoas, as estratégias lançadas pelas mulheres em momentos de repressão, as narrativas de poder de horas passadas, os discursos, as maneiras outras de sobreviver, sonhar e viver. Do desejo de ouvir e ser ouvida. Do desejo pelo afeto, pela distribuição. Ecoa aquela letra do Emicida: viver é partir, voltar e repartir. 

Trecho da página 22 da versão digital do livro A Vida Não É Útil (2020), de Ailton Krenak. A versão digital do livro está disponível gratuitamente em PDF no site da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Ailton-Krenak-A-Vida-Nao-E-Util-2020.pdf (ufrgs.br) O mesmo trecho do livro é interpretado por Gilberto Gil na sua participação na canção É Tudo pra Ontem, de Emicida
print da entrevista que Davi Kopenawa concedeu ao Roda Vida [Disponível em Roda Viva | Davi Kopenawa | 15/04/2024]
Print do bate-papo entre o curador Paulo Miyada, a artista Daiara Tukano e a antropóloga Paula Berbero, sediado no canal do YouTube da Revista Select. Fogo Cruzado LIVE: Como expor arte indígena? (Parte 2)

Como expor arte indígena? – Revista seLecT_ceLesTe