Laryssa Machada:
A partir do nosso encontro, fiquei pensando muito sobre o que Priscila falou sobre fotografia e comunicação, de o registro vir nesse lugar de necessidade de circular informação de dentro dos territórios, de suas áreas e suas realidades. Por outro lado, o mercado vem com a força de precificar as coisas e é importante, para seguir vivendo e se sustentar, poder fazer ambos: registrar, devolver o registro para os territórios e lidar com o mercado. Penso também o quanto isso se escancara nesse trânsito pro Sudeste. Ou seja, a partir daqui, a gente acaba tendo mais necessidade de vender as coisas e por isso fico pensando radicalmente a partir do lugar de “não-mercadoria” de Davi Kopenawa. Caso não precisássemos de dinheiro, o que faríamos com nosso tempo? Não lembro se essa frase era exatamente sobre arte, ou sobre tempo e desejo de criar coisas no mundo. O que se faria nesse lugar de compartilhar informações, ouvir histórias ou replicá-las, ou inventá-las, ou milhares de outras coisas possíveis?
Como viemos pensando desde o início da residência, sobre esse lugar de estrutura, e que isso está diretamente ligado ao financeiro – como seriam essas movimentações e como seriam essas estruturas para além dessa barreira? Fico pensando, então, nesse exercício e nesse desejo de construir juntxs… como um exercício de imaginação, como seria… Também não precisa ser nada absurdo, uma proposta de infraestrutura para o sistema das artes, mas como seria essa nossa proposta de atividade caso a gente extinguisse essa questão econômica: quais seriam nossos ofícios, o que nos moveria?
Além disso, também me marcou, agora escrevendo, a fala sobre a tecnologia da floresta, de que é a coisa mais tecnológica que existe e como transmitir essa experiência… Como a gente constrói coisas que transmitam as experiências e relembrem as pessoas? Isso também é um grande ponto de nossas comunicações, de nossos trabalhos. Como ouví-la falando sobre seu território me faz pensar o quanto preciso colocar na minha rotina, por exemplo, agora morando no Rio de Janeiro, esse contato diário com a natureza. Um contato que não é apenas “observar” – que em salvador se fazia frequente de várias maneiras. É esse “contágio” a partir das experiências, que creio ser o que propomos também como “novas estruturas”.
[transcrição de um áudio de Laryssa Machada gravado após o fim da reunião de terça-feira, 28/5]
Printscreen da abertura do videoclipe da canção É Tudo Pra Ontem, cantada por Emicida e Gilberto Gil [Foto: Reprodução YouTube / @emicida]
Sophia Faustino:
Os dois encontros desta semana começaram a dar corpo às nossas ideias, que vêm germinando e decantando desde o início da residência. Para mim, alguns elementos que partem de um entrelaçamento das falas de todas as residentes ficaram reverberando. Todos esses elementos têm a ver com memória: como ela, por vezes, é interna e rumina dentro do nosso próprio corpo. Ou de como ela é, outras vezes, envolta por uma névoa densa, pelas camadas que não nos permitem acessá-las. A lista é enorme: o arquivo, as maneiras como se constituem e são difundidas as resistências das pessoas, as estratégias lançadas pelas mulheres em momentos de repressão, as narrativas de poder de horas passadas, os discursos, as maneiras outras de sobreviver, sonhar e viver. Do desejo de ouvir e ser ouvida. Do desejo pelo afeto, pela distribuição. Ecoa aquela letra do Emicida: viver é partir, voltar e repartir.