Qual é o meu papel nesta bienal? É a primeira resposta de Maxwell Alexandre à celeste na entrevista feita durante o preview para a imprensa na 36ª Bienal de São Paulo, Nem Todo Viandante Anda Estradas. O artista pergunta e responde, enunciando um conceito que determina a apreciação da exposição toda, “Qual é o meu papel nessa bienal? É um trabalho de bastidor”.
Não é incomum que o entrevistado reformule uma pergunta, que a traduza para os seus próprios termos, por assim dizer. No caso de Maxwell Alexandre, particularmente crítico dos circuitos informacionais (como se vê, por exemplo, na obra Artista Negro Ataca [2023], mostrada na SP-Arte daquele ano, conjunto de pinturas em que reproduz uma mesma reportagem de jornal com o efeito warholiano de expor a violência por meio da repetição), não se trata de reformulação. Inclusive, porque a pergunta inicial foi: “Finalmente, a sua Bienal de São Paulo; como você decidiu o que mostrar?”

“Qual é o meu papel nesta bienal?” implica ter consciência de que a sua participação era aguardada, e até reivindicada. Além de indicar que quem dá as cartas é ele, tanto da presença na exposição mais importante do Brasil quanto da veiculação de seu discurso em uma revista de arte relevante. Sua resposta em forma de pergunta reorienta a visão sobre o mundo da arte. Não estou a serviço de um discurso curatorial, é como se dissesse, porque concebo a minha instalação aqui como uma reorientação da própria bienal e de sua curadoria – assim podemos ler a pergunta-resposta. Em transliteração mais sintética: “A estrada quem faz sou eu”.
O trabalho de bastidor, continua MW, consiste em “criar uma galeria cenográfica, meu próprio cubo branco”. Esta é a segunda galeria que cria, prossegue o artista: “É a Galeria 2 da série Novo Poder, a primeira aconteceu na Casa SP-Arte em 2024”. Os títulos de seus trabalhos ou séries são guias para apreciar sua obra: Pardo É Papel (2019), Novo Poder (2021), Pinturas de Berço (2024). Cada título é uma chave de leitura e um statement. Resumidamente, Novo Poder reflete a presença negra nos espaços da arte, a tomada de poder simbólico e financeiro no meio de artes brasileiro por parte de uma maioria subalternizada da população.
A instalação na Bienal questiona o circuito branco de arte, assim como Galeria 1 problematizava o mercado branco de arte, circunscrevendo ambos por meio de um cubo branco. Maxwell Alexandre não é o primeiro a equiparar “cubo branco” a branquitude (lembre-se, contemporaneamente, da tese de doutorado de Igor Simões, Montagem Fílmica e Exposição: Vozes Negras no Cubo Branco da Arte Brasileira, 2019), mas se inscreve na disputa narrativa e filosófica sobre o tema. “Foi um caminho natural do desenvolvimento do trabalho essa transformação do espaço expositivo”, conta. E a instalação se camufla no espaço, de modo que “quem não conhece o léxico do meu trabalho vai passar batido, podendo até confundir a obra com a expografia”, resume MW.
Criar o próprio espaço faz parte da trajetória de Maxwell Alexandre: a série de seus Pavilhões Maxwell, centros culturais temporários instalados em São Cristóvão e na Rocinha, em 2023, Museu Histórico da Cidade e Castelinho do Flamengo, em 2024, e Solar PUC Rio (Pavilhão 5) até recentemente, todos no Rio de Janeiro, dão prova da determinação do artista em não se deixar enquadrar por instituições. O Pavilhão Maxwell é a sua própria instituição, onde nenhuma ingerência sobre o que ou como expor limita suas decisões. “O pavilhão me permite experimentar, radicalizar a minha postura, se dependesse da minha vontade só faria exposições lá”, explica.
O espaço criado por ele na bienal estaria “vazio”, não fosse pela inclusão, pela curadoria, de obras de três outros artistas no cubo branco de MW. A galeria cenográfica é dotada de três salas, painéis brancos ortogonais recortando a arquitetura curva de Oscar Niemeyer e anulando seus pilotis, é construída com painéis de papel pardo pintados de branco. No vão entre as duas camadas de cada “parede” é escancaradamente visível o verso pardo. A tinta branca esconde a cor do papel; o branco apaga o suporte da pintura praticada pelo artista.
Que onda. A pessoa tentando inventar figuras de linguagem para a interface entre branco e preto. As duas cores informam toda a história das imagens, mas parece inadequado fazer um jogo de palavras sobre as cores na arte e os marcadores raciais no sistema da arte, em um contexto informativo em que a racialização, da negritude como da branquitude, é um assunto relevante. Quando foi que paramos de tentar dizer as coisas? É um bom problema que tenham ficado mais difíceis de dizer (quanto maior a empatia entre os falantes, mais complexo é dizer o que se pensa, porque cada palavra precisa ser bem escolhida, cada ideia precisa ser conferida, pesada), mas quando foi que paramos de tentar dizer as coisas?
Verdade é que a pintura de Maxwell Alexandre deixou de ser protagonizada por pessoas pretas há algum tempo. E deixou de retratar a Rocinha há mais tempo ainda. Já não se trata de falar de questões sociais “no espírito dos ciclos épicos da pintura histórica”, como um curador escreveu sobre as obras da mostra Pardo É Papel (MAC de Lyon, França, e Museu de Arte do Rio, 2019), e sim de enquadrar a problemática de classe a partir da vivência de outros pontos de observação cariocas, como o Clube do Flamengo, que proporciona um vasto campo de pesquisa para a prática da “figuração branca”, como batizou a nova série de banhistas. “Eu não moro mais na Rocinha, por que continuaria pintando isso se não é mais a minha realidade?”