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Fachada do Pompidou e interior de pavilhão da ArtRio24 [segunda foto por Ana Branco]
Postado em 27/09/2024 - 8:27
CURADOR DO POMPIDOU VISITA A ARTRIO
Em entrevista à celeste, Frédéric Paul, curador de arte contemporânea do Centro Pompidou, aborda sua conexão de longa data com o Brasil

Durante a 14ª edição ArtRio, a celeste conversou com curadores de instituições culturais internacionais que vieram ao Brasil a convite do Latitude, uma parceria entre a ApexBrasil e a ABACT.

Frédéric Paul, curador de arte contemporânea do Centro Pompidou, em Paris, é também crítico de arte e doutor em História da Arte, e já atuou como diretor da Frac Limousin e do Domaine de Kerguéhennec, na França. Em sua visita à feira carioca, selecionou obras que chamaram sua atenção – e que refletem, inevitavelmente, a perspectiva institucional de um museu francês sobre a produção artística brasileira.

Confira a entrevista concedida à celeste:

Carta ao Velho Mundo (2018-2019), do artista Jaider Esbell, é uma das obras mais importantes da arte brasileira contemporânea reconhecida como decolonial. Qual é a sua leitura sobre o trabalho? E qual é a importância em compor o acervo de um museu francês?

O Centro Pompidou adquiriu duas obras de Jaider Esbell. Elas foram propostas por Paulo Miyada com meu total acordo. Tive uma experiência frutífera com ele em um projeto que fiz para o Centro Pompidou no Instituto Tomie Ohtake há alguns anos, e sugeri seu nome para se juntar à nossa equipe como curador adjunto para este Círculo da América Latina. A partir daí, estamos engajados em um diálogo crítico e amigável profundo. Quanto ao Jaider, isso aconteceu quando ele também estava trabalhando para a Bienal de São Paulo. A outra obra é uma pintura. É bonita, mas, honestamente, não tão crucial quanto Carta ao Velho Mundo, e foi isso que imediatamente disse ao Paulo quando discutimos pela primeira vez essas duas aquisições. Por que é tão importante? Em primeiro lugar, eu diria que não apenas por ser decolonial. Para mim, é mais um manifesto cultural entre dois mundos que se ignoraram mutuamente. Não vejo isso apenas como notas de rodapé em uma enciclopédia de história da arte orientada pelo Ocidente; é um testemunho vivo e em movimento da leitura de Jaider que compartilhamos com ele. É tanto uma mensagem íntima quanto universal.

Ismael Nery, Eternidade, 1932. Óleo sobre cartão

Sendo um dos maiores acervos de arte moderna e contemporânea no mundo, no contexto atual, quais são os aspectos que a curadoria mais valoriza durante o processo de pesquisa e aquisição de novos trabalhos? E nas Américas, os critérios são similares? 

Existem duas maneiras de considerar coleções quando você se junta a um acervo tão impressionante: a) preencher lacunas; b) abrir novas direções, correndo o risco de alterar o equilíbrio. Mas é preciso ser modesto quando a coleção conta com mais de 130.000 peças. Modesto, mas ambicioso. Não gosto da ideia de critérios. Bons trabalhos sempre transcendem os critérios que você poderia ter pensado antes de conhecê-las. Se houver critérios, eles devem ser os mesmos para a América Latina.

Sua viagem ao Brasil no contexto da ArtRio também simboliza um momento de prospecção de artistas brasileiros e latino-americanos?

Claro, mas é um processo contínuo no qual estou engajado.

Retrato de Frédéric Paul [Foto: cortesia]

Como você descreveria a sua relação com o Brasil? Quais aspectos o atraem no cenário da arte contemporânea brasileira? 

Minha primeira conexão com o Brasil aconteceu no início dos anos 2000, quando organizei a primeira exposição individual de Beatriz Milhazes em um museu na Europa. Depois, organizei uma mostra na Argentina e, em seguida, sua primeira retrospectiva no Brasil, no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, e no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Não sou louco por viajar, mas sinto a necessidade de explorar o contexto onde um artista trabalha. Depois disso, fiz uma exposição com Ernesto Neto. Tudo isso aconteceu antes de eu ingressar no Pompidou. Recentemente, escrevi um longo ensaio sobre Rodrigo Cass. Desde a primeira exploração, voltei ao Brasil umas 12 ou 15 vezes. Sempre ligo e tento visitar Antonio Dias, mas infelizmente ainda não escrevi para ele e não organizei a exposição que deveria ter feito durante sua vida. Vir ao Brasil a cada dois ou três anos não é suficiente. Também devo dizer que aprendi muito sobre os modernistas brasileiros desde a experiência mencionada anteriormente no Tomie Ohtake, e certamente não é por acaso que os artistas tinham fortes conexões com Paris. A descoberta recente que fiz do trabalho de Hélio Melo acrescentou algo muito interessante ao meu conhecimento, que tento melhorar constantemente – mesmo que saber nem sempre signifique conhecer pessoalmente.

E havia muitas pinturas de Volpi na ArtRio. É evidente que Volpi não é apenas um herói brasileiro, ele é definitivamente um dos artistas mais inspiradores de sua época, especialmente a partir dos anos 50. Mas há outra razão para eu mencioná-lo. Ele não está representado na coleção do Pompidou. E ouso dizer que apenas uma tela não seria suficiente para fornecer a compreensão adequada de sua obra. 

Alfredo Volpi, Fachada, década de 1970. Têmpera sobre tela