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Ribeira, da série Sobre a Terra (2020), de Daniele Rodrigues, do projeto A Parábola do Progresso [Foto: Daniele Rodrigues / Acervo Laje / Divulgação]
Postado em 18/09/2022 - 10:13
Curadorias reimaginadas
Projetos autorais de Lisette Lagnado, de Clarissa Diniz e Sandra Benites, e de Fernanda Pitta e Naine Terena propõem outras formas narrativas

Na prática institucional artística contemporânea, valores como transdisciplinaridade, pluralidade e inclusão são utilizadas como adjetivos distintivos quando, na verdade, devem ser fundamentais e diluídos em suas atividades internas e públicas. A curadoria é vista como prática com epistemologia individual, como ciência autônoma (e há, no final das contas, ciência autônoma?). Assim como as tecnologias digitais se amplificam, os dispositivos de prática curatorial se desenvolvem e se reinventam acompanhando as demandas sociais, decretando a obsolescência de um modelo positivista e hermético aplicado às práticas curatoriais e museológicas.

Rompendo essa ciclicidade sintomática, projetos em arte devem propor práticas curatoriais indissociáveis das discussões políticas e das tecnologias sociais contemporâneas, atualizadas às discussões transdisciplinares e transculturais em que ocorrem. Aos poucos, propostas têm aberto suas estruturas de pensamento a culturas não-eurocêntricas, colocando em combate seus próprios pilares conceituais que erigem a atividade museológica, em tentativa de debate e revisão de uma epistemologia digna de culturas híbridas, mutiladas pelas dinâmicas do colonialismo e do capital.

UMA POSSÍVEL TEORIA DA CRÍTICA INSTITUCIONAL
Os estudos sobre crítica institucional têm como uma de suas expoentes a estadunidense Andrea Fraser. Em From the Critique of Institutions to an Institution of Critique (2005), ensaio publicado na revista ArtForum, Fraser destaca que, após algumas décadas das primeiras práticas associadas a uma crítica institucional, essas ações acabaram se institucionalizando, além de exporem um aparente paradoxo sobre como artistas que se estruturaram a partir da institucionalização da arte reivindicam uma crítica à própria estrutura que os suporta. Tal paradoxo se apresenta porque, ao viver em uma sociedade baseada no institucionalismo, somos seres institucionais por contágio. Cabe a nós, portanto, definir que tipo de instituição seremos.

Fraser prossegue, concluindo que “agora, quando mais precisamos, a crítica institucional está morta, uma vítima do seu próprio sucesso ou do seu próprio fracasso, engolido pela instituição que enfrentou”. Não se entende, portanto, se a institucionalização da crítica institucional é um ganho ou um fiasco, pois a validação da crítica recai, na máquina atual, na institucionalização que combate, em um ciclo vicioso. Não se trata de ser contra a instituição, aponta Fraser, já que somos a instituição, mas sim de “uma questão de que tipo de instituição somos, que tipo de valores institucionalizamos, que formas de atuação recompensamos, e a quais tipos de recompensa aspiramos”.

Como utilizar com sabedoria as dinâmicas de impulsionamento e amplo alcance das grandes instituições artísticas, sem recair em uma linguagem dominante e institucionalizada que se quer confrontar? Como entender os vínculos corporativos das galerias e do mercado de arte com os principais programas museológicos? Como ler, por exemplo, a prática corrente em grandes galerias de atrelar a venda de uma obra à compra de uma segunda, que será então doada a algum relevante museu pelo colecionador-comprador (buy one, gift one)? Como propor revisões institucionais e questionamentos sobre a estrutura do capital quando membros de conselhos administrativos das principais instituições museológicas são grandes colecionadores, ligados ao mercado de arte e às grandes empresas? Buscar atingir uma compreensão das dinâmicas da arte na contemporaneidade fora da lógica capital – e, portanto, desassociar os museus da galeria – parece uma perspectiva ineficaz. 

Atrelar visibilidade museológica, práticas de gestão institucional e formação de programas curatoriais ao mercado de arte nos insere em uma roda-gigante incessante que, ao mesmo tempo em que centrifuga artistas e curadores que tentam desenvolver seus trabalhos fora dessas cátedras, levando-os a um inevitável caminho de apagamento, reitera e potencializa os que já estão nessa ciranda de nomes e imagens. Então de que forma desmontar esse ciclo, sendo que, em muitos casos, a visibilidade artística e a validação institucional necessárias para essa crítica em grandes instituições são o critério para a pavimentação do caminho nesses profissionais? Alguns propõem o desmonte, enquanto outros, o ajuste.

Terra dos Índios Direito Sagrado (1986); cartaz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, exposto no Masp [Foto: Coleção de Cartazes do Centro de Documentração e Memória da UNESP-CEDEM / Divulgação]

COOPERAÇÃO INSTITUCIONAL, CAPITAL E LASTRO MODERNISTA
Centrada em uma possibilidade de apontar para o futuro que confronte a noção de progresso impregnada no pensamento brasileiro, a curadora Lisette Lagnado dirige a exposição A Parábola do Progresso, a ser inaugurada no Sesc Pompeia no segundo semestre deste ano. Estruturada em uma dinâmica de curadoria compartilhada, a mostra conta com curadoria adjunta de André Pitol e Yudi Rafael, que alargam os escopos analíticos da pesquisa. 

A parábola, a que o título se refere, é um dispositivo narrativo que não se detém apenas na ficção, mas a confronta com a realidade, construindo um relato ambíguo entre esses dois planos. Dessa forma, incita leituras análogas e provocações sobre vivências atuais. A exposição reitera que a própria prática curatorial no Brasil – assim como em outros países colonizados – é estruturada por uma convenção historiográfica assente em um positivismo moderno. Sempre parcos, esses ideais de progresso e ordem são cravados em texto na bandeira nacional, símbolo atualmente tão contraditório, arquitetando um projeto de nação insustentável.

A exposição, estruturada de forma fragmentada, visando abarcar princípios de pluralidade e multiplicidade, conta com núcleos documentais e trabalhos contemporâneos cuja missão curatorial é dialogar com legados do modernismo brasileiro. Dirige-se a questões como resistência em contextos de expropriação de terras e conflitos ambientais, manutenção de tradições quilombolas e indígenas, racismo ambiental, impactos do neoliberalismo e digitalização das informações: “a digitalização, atrelada ao neoliberalismo, por exemplo, superficializa e horizontaliza o acesso à informação, para o bem e para o mal, no espectro que existe entre esses dois extremos”, afirma André Pitol, em entrevista à seLecT.

Objetiva-se estabelecer espaços dialógicos entre a curadoria da exposição e cinco outras agentes socioculturais: o Acervo da Laje, em Salvador; a aldeia indígena Guarani Tekoa Kalipety, na terra indígena Tenondé Porã, no extremo sul do município de São Paulo; a comunidade quilombola Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuri Mirim, no Maranhão; a Casa do Povo, em São Paulo; e o SAVVY Contemporary: The Laboratory of Form-Ideas, em Berlim. Essa interlocução estabelecida entre diferentes núcleos reitera que as consequências sociais atuais são frutos não apenas das escolhas ativas, mas também dos problemas negligenciados.

Um dos principais objetivos de A Parábola do Progresso é criticar as convenções sobre tempo e história como instituições maiores, entidades quase insuperáveis, afogadas pelo colonialismo histórico, evolucionista e extrativista. “Aqui, a grande instituição a ser questionada é o tempo, já que o capital tem sido refutado de forma mais enfática, embora a própria compreensão de tempo esteja imbuída de capital”, relata Lagnado para a seLecT. Propõe-se, portanto, “a escrita de outras temporalidades, que não necessariamente se coloca como solução, mas que amplia os campos de revisão”, completa Yudi Rafael em entrevista à seLecT.

Com cerca de 20 obras comissionadas, a mostra exibe trabalhos de Alice Yura, que revisita o legado de Anita Malfatti; Márcia Falcão, em pintura que se refere à obra O Samba, de Di Cavalcanti, perdida em um incêndio em 2012; Tiago Gualberto, com trabalho intitulado A Cabeça do Povo Brasileiro, em diálogo com A Mão do Povo Brasileiro, emblemática exposição de 1969 no Masp; Rafael RG, que analisa as narrativas das trabalhadoras do sexo em Mangue, álbum de gravuras e desenhos de Lasar Segall; Barbara Marcel, com filme inédito que dialoga com o trabalho de Glauber Rocha no Congo; Gustavo Caboco, que concentra-se em amplificar a voz do povo Wapichana; e obras de Edival Ramosa e Ani Ganzala.

Além dos eventos celebratórios e críticos do bicentenário da Independência do Brasil e do centenário da Semana de Arte Moderna de São Paulo, a exposição remete-se ao aniversário de 40 anos do Sesc Pompeia e à reflexão dos legados do modernismo. O projeto de Lina Bo Bardi, pensado sobretudo como um centro democrático e plural de convivência, apresenta-se como corpo arquitetônico vivo que resiste, de certa forma, à falta de diálogo imposta incisivamente pelo capitalismo. 

A despeito das valiosíssimas lições sociais através da arquitetura, o legado de Lina Bo Bardi é esmiuçado e analisado durante a pesquisa da exposição, detectando sintomas altamente confluentes ao pensamento modernista europeu que a mostra questiona. Essas questões têm sido continuamente analisadas por Lagnado, como em Drifts and Derivations: Experiences, Journeys and Morphologies (2010), co-curadoria com María Berríos, no Museu Reina Sofia. A exposição analisava as derivações de modelos arquitetônicos de matrizes modernistas e europeias na América Latina, com foco em núcleos urbanos no Brasil e no Chile.

Lisette Lagnado defende ser impossível, por exemplo, “ler Macunaíma de Mário de Andrade sem emparelhá-lo com Makunaimã de Jaider Esbell e Denilson Baniwa”. A estratégia curatorial de A Parábola do Progresso não se detém em uma exploração de outros modernismos, mas em contribuições contemporâneas que se apresentam como ferramentas de revisão das convenções temporais e historiográficas ditadas pela colonização e reiteradas por diretrizes modernas.

Recepção da Pinacoteca do Estado de São Paulo, uma das instituições que abriga o projeto Aldear! [Foto: Chirstina Rufatto / Divulgação]

RESSIGNIFICAR A PATRIMONIALIDADE
Aldear! é o núcleo brasileiro do projeto Decay Without Mourning: Future-Thinking Heritage Pratices, financiado pelo Riksbankens Jubileumsfond, junto com a Fondazione Compagnia di San Paolo e a Volkswagen Foundation. A pesquisa tem núcleos na Suécia, na África do Sul, no Japão e na Antártida; e, no Brasil, é acolhido pela Pinacoteca de São Paulo e pelo MAC-USP, coordenado por Fernanda Pitta, Naine Terena e Bruno Moreschi. O projeto se apresenta como agente reestruturador das dinâmicas patrimoniais em diálogo com comunidades indígenas, objetivando propor abordagens mais integradas entre agentes indígenas e instituições não-indígenas no Brasil.

Embora interseccione e reverbere em atividades lidas como “curatoriais”, o projeto não foi gestado com essas demandas, por buscar não ser capturado por uma categorização que o sistema museológico impõe. Aldear! objetiva “inverter como as instituições têm abordado as manifestações estéticas com os instrumentos e dispositivos que os museus de matriz ocidental manejam – como o colecionismo, a realização de exposições, ações com objetos em sua materialidade –, e não com um entendimento mais amplo do que são as práticas estéticas e suas manifestações para os povos indígenas”, relata a curadora e professora Fernanda Pitta, em entrevista à seLecT. De forma expandida, Aldear! propõe reflexões da “pesquisa-ação” – termo frisado pela artista, professora e curadora Naine Terena – com a prática curatorial em construções de estratégias dialógicas e alianças.

O título do projeto, Decay Without Mourning: Aldear!, apresenta uma polissemia congruente com os princípios da pesquisa. As noções de “decadência” e “patrimônio” são propositalmente ambíguas: atestam que patrimônios culturais indígenas estão em decaída, enquanto se vê, em outros âmbitos, a decadência e a derrubada de monumentos coloniais como resposta para um problema de perpetuação da história. Em uma visão ocidental, uma ação patrimonial tem em vista impedir o processo de decaimento de determinado patrimônio, mas se questiona quão válida é essa noção baseada na salvaguarda para o futuro, quando as culturas indígenas se estruturam em uma ancestralidade baseada no presente. A efemeridade inerente à arquitetura indígena, por exemplo, pode ser encarada como uma decadência patrimonial sob o ponto de vista eurocêntrico, mas há de se entender que mais importante que a construção que se esvai com o tempo é o repasse do ensino das práticas construtivas através das gerações dentro da comunidade.

Aldear! se coloca como dispositivo de mudança de paradigmas, em um processo de escuta ativa que possa resultar em uma compreensão mais alargada e inclusiva de outras epistemologias, relações específicas entre território, seres viventes, memória e temporalidades. Os espelhamentos, rotações e inversões de lógicas pré-estabelecidas da museologia eurocêntrica estão no núcleo do projeto, cujo desafio consiste em não materializar algo imaterial – processo museológico quase automático –, mas propor, a partir de outras cosmovisões, possibilidades de patrimonialização, perpetuando a imaterialidade dessas práticas, sem que elas se engessem em moldes preservacionistas hegemônicos. Os questionamentos persistem, por exemplo, na análise das abordagens de conservação e restauro impostas a objetos que precisam de cuidados específicos, de profundo conhecimento pelas comunidades indígenas que os produziram, mas denuncia a escassez de profissionais indígenas de forma mais incisiva nos museus, sobretudo em áreas com maior interação física com os acervos. O projeto permite vislumbrar que o processo de decadência é o próprio arsenal de ferramentas patrimoniais de legado colonial que tem sido usado para se relacionar com essas práticas, inflamando cada vez mais a questão. 

O projeto motiva-se pelo desconforto e pela insatisfação que membros de povos indígenas têm demonstrado em serem objetos de pesquisa sob um exotismo escancarado, querendo eles próprios produzirem e difundirem seus conhecimentos em primeira pessoa. Uma forte trajetória museológica tem se construído pelos povos indígenas na realização de projetos que debatem patrimônio, preservação e memória – como o Museu Magüta, em Benjamin Constant (AM) –, mas que acaba perdendo força e visibilidade pelos obstáculos do sistema das artes. Tais ações fundamentam, inclusive, a legislação acerca do patrimônio imaterial no contexto brasileiro, a partir da luta incessante de comunidades de resistência, como quilombolas e indígenas. Paulatinamente, educa-se que o objetivo do processo patrimonial não é somente o estabelecimento de práticas protetivas quanto à materialidade dessas manifestações, mas as relações sociais e os processos de vida engendrados nessas culturas. Aldear! almeja, a partir da troca de experiências e da escuta ativa, captar agentes, como museus e instituições de pesquisa em arte, para que suas práticas se direcionem a um diálogo mais eficaz com as comunidades, baseadas na valorização e na transparência.

As propostas se alinham com ideais da curadora e professora Sandra Benites, que, junto à curadora, educadora e escritora Clarissa Diniz, assinam o núcleo Retomadas da exposição Histórias Brasileiras, no Masp. Para Benites, em entrevista à seLecT, “essa ideia do patrimônio musealizado muitas vezes só trata do cuidado do objeto, e não daqueles que fazem parte daquele objeto, corpos vivos que se movimentam, com várias histórias e contextos. Nesse sentido, eu e outros curadores indígenas somamos para desorganizar esse formato em um movimento que acompanhe também esses corpos”. Há de haver, portanto, além de uma mediação, uma permissão: Benites relata que, em sua comunidade, há rituais que pedem permissão para a caça, além de organizações temporais para a retirada de cascas de árvores segundo as fases da lua. A partir desse diálogo com a natureza, da leitura inseparável entre a caminhada e o objeto, os fluxos se mantêm sustentáveis, em uma lição sobre patrimonialização que, embora seja atenta ao objeto, não se limita a ele. “O nosso objeto é a nossa memória”, resume Benites.

Túmulo Antropofágico (2019), de Yhuri Cruz, que integra o núcleo Retomadas da exposição Histórias Brasileiras, no Masp


INSTITUIÇÕES ARTÍSTICAS COMO INSTITUIÇÕES SOCIAIS
A integração da prática social nas ações artísticas e vice-versa, do entendimento da arte como cotidiano e da cultura como alimento tornam-se imperativas nas discussões atuais sobre práticas curatoriais e dinâmicas institucionais. Se faz necessário compreender que os caminhos de críticas internas, por mais que visem uma “causa maior” de revisão institucional, são amplamente debatíveis e podem tomar inúmeras direções.

Entender um senso de decisão à deriva, particular, causal, é uma das ferramentas à mesa – que podem servir a favor ou contra a pauta estabelecida como principal. Embora discuta-se sobre institucionalidade como entidade panorâmica, suas dinâmicas são rizomáticas e estruturadas por suas singularidades culturais, locais, políticas, econômicas, temporais e pessoais, entendendo que dentro de cada microcosmo que é uma instituição no sistema ampliado das artes há um macrocosmo de individualidades pessoais, conflitos internos de poder e diferentes níveis de tomadas de decisões. As curadorias e práticas artísticas são reinventadas, porque são reinventáveis, sempre correndo atrás de suprir uma demanda social que só pode ser totalmente atendida em um mundo utópico – isso não impede, entretanto, de se fazer o máximo possível com os recursos disponíveis.

Clarissa Diniz defende que, embora haja práticas críticas às grandes instâncias, não há ambiente totalmente alheio ao sistema, mas possibilidades de ações que promovem revisões internas e mudanças pragmáticas. Diniz acredita que, aos poucos e de forma irradiadora, se remodela a estrutura, adequando-a às complexidades da contemporaneidade, mas entendendo que estamos presos em um sistema tacanho. “Instituições artísticas que desejam assumir as suas responsabilidades sociais devem não reforçar a ficção de uma arte posta como exceção ao mundo social, autorreferente, autônoma. Deve-se compreender, do ponto de vista das políticas institucionais, que a arte faz parte da sociedade, com direitos e deveres perante a sua comunidade, o seu país. Curadorias repensadas devem desmontar a noção de arte atrelada a um projeto de autonomia da vida social”, afirma, em entrevista à seLecT.

RETOMADAS
Criticar a institucionalização da arte implica uma autocrítica: não por uma concordância com as dinâmicas correntes, mas por entender que se foi engolido por elas, que as divisões entre a individualidade própria e a do outro são borradas pelo sistema, e que, forçosamente, a noção de institucionalização foi coatada em cada indivíduo. Não se resta eternamente imaculado em meio a um pântano, independente da vontade pessoal. Em uma sociedade – e em um meio – assolada pela briga de egos, adotar a autocrítica e a inserção em um sistema contraditório como passos fundamentais parece um dos maiores obstáculos a serem vencidos. A ambivalência encontra-se, inclusive, na própria contradição da escrita de um texto que versa sobre a teoria da crítica institucional, enquanto ela é de fato feita em ações mais radicais – afinal, de nada adianta um esboço de diagnóstico sem uma intervenção ativa. 

Nos últimos meses, Diniz e Sandra Benites protagonizaram embates com a direção do Masp durante o processo de curadoria da exposição Histórias Brasileiras, referentes ao núcleo Retomadas. Sobre o embate, Diniz relata à seLecT: “O Masp assumiu, pelo menos, o erro e se dispôs a seguir em diálogo comigo, com Sandra, com o MST e com os fotógrafos que estavam envolvidos no caso. É muito difícil, mas é necessário encarar essas contradições como feridas abertas que sejam produtivas para reflexão para a sociedade como um todo. Vejo com alguma leitura positiva até o presente momento, mas também não nutro nenhuma utopia. Acho que também são estratégias de sobrevivência e manutenção de suas próprias práticas, por mais que eu espere que isso se desdobre em mudanças efetivas dentro do museu. Embora tenha tido grande impacto midiático, não acho que esse episódio tenha sido um grande divisor de águas. O processo do Retomadas é só mais um acontecimento dentro de um processo contínuo de luta e de ocupação de espaço”. 

Sobre esse diálogo entre corpos, Benites declara: “Eu chego nesses espaços para somar, para ampliar coisas, não quero mudar nada. Eu já vim de um lugar de luta intensa, e se só eu fizer esse esforço, sem as pessoas se esforçarem para me acompanhar, não faz sentido nenhum e não vai ter a ampliação de pensamento nesses espaços. Se fazer soma não é ficar parado no lugar em que se está, mas se movimentar com quem chega, para acompanhar essa caminhada. Todo mundo está nesse desconforto”. A luta cravada por Diniz, Benites e inúmeros agentes das revisões institucionais demonstra que nem todas as normas são pétreas, que nem todos os posicionamentos são eternos e que nenhuma burocracia é incontornável.