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Pescador de pérolas (1991), de José Leonilson (Foto: Rubens Chiri / Projeto Leonilson)
Postado em 04/04/2022 - 10:16
De regresso a Ítaca, de volta a Leonilson
Curadoria de Lisette Lagnado na Galeria Superfície entrelaça os caminhos do artista aos do poeta Kaváfis

“O que é tão importante em Kaváfis para você?”, pergunta Lisette Lagnado a José Leonilson (1957-1993), em algum momento dos sete encontros que tiveram, entre 30 de outubro de 1992 e 10 de dezembro do mesmo ano, e culminaram na entrevista publicada no livro Leonilson, São Tantas as Verdades, a primeira monografia e retrospectiva do artista, em 1995. “A escrita alimentava suas paixões”, responde Leonilson, alguns dias antes de interromper a entrevista e ler para a amiga três poemas de Konstantinos Kaváfis (1863-1933) escolhidos na hora: Percepção (1918), Ao Pé da Casa (1918), A Origem (1921).

Trinta anos se passam. Lagnado volta a Leonilson e Kaváfis. Ela pinça um verso do poema Ítaca, “Que sejam muitas as manhãs de Verão”, e como um pescador de pérolas (título de obra bordada de 1991), um pescador de palavras (título de uma tela de 1986), ou mesmo como uma Penélope lançada ao mar em sua própria odisseia, a curadora entrelaça destinos e poéticas do artista cearense e do poeta grego. 

Quatro poemas de Kaváfis e cerca de 20 obras de Leonilson compõem a mostra Que Sejam Muitas as Manhãs de Verão, curadoria de Lisette Lagnado na Galeria Superfície, em São Paulo. Numa espécie de inversão de identidades, os poemas escolhidos de Kaváfis desenham retratos; e os trabalhos de Leonilson são reinvenções da linguagem poética. 

O poema Na Rua, em que o poeta grego descreve um rosto atraente um pouco pálido que cruza o seu caminho, se espraia em folhas de papel aquareladas com os sonhos do artista apaixonado. No poema A Bordo, Kaváfis desenha a lápis um pequeno retrato, “feito num momento, no convés do barco, numa tarde encantadora”; enquanto em Leonilson vislumbramos um barco costurado à capa de um livro (A Voz do Interior, 1989).

No segundo andar da galeria, poeta e artista se misturam – “como corpos belos dos que morrem sem ter envelhecido” – no poema Desejos e nas telas redondas como lua cheia ou sol poente. 

Finalmente, é em Ítaca, obra maestra de Kaváfis, uma ode aos processos e aos caminhos, que Lagnado consagra seu regresso ao artista sobre o qual dedicou seus primeiros anos de pesquisa como crítica de arte. Sem apressar a viagem, descobrimos nesse poema os ciclopes, os monstros e os prazeres que alimentaram os destinos de Leonilson. 

Serviço
Que Sejam Muitas as Manhãs de Verão
José Leonilson
Até 4/6, Galeria Superfície, Rua Oscar Freire, 240, SP