A poucos metros do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, descendo em direção à Praia de Icaraí, há um letreiro no qual lemos a frase “#EU♥NITERÓI”. A figura do coração é vermelha e preserva em sua forma a agilidade do gesto que a teria traçado. A depender da posição assumida pelo passante diante da peça, o apressado coração, sem preenchimento, emoldura o edifício de Oscar Niemeyer. Tudo parece contribuir para que, buscando o ponto ótimo de observação da paisagem, sejamos surpreendidos por um like involuntário no disco voador.
Hoje em dia, assistimos à proliferação, por todo o mundo, de letreiros posicionados diante de pontos turísticos, incrementando seus coeficientes de instagramabilidade. Tal fenômeno pode ser lido à luz das mudanças nas relações entre os corpos e as cidades, que passam a ser ostensivamente mediadas pelas telas de celular e plataformas de compartilhamento de imagens. A hashtag que, no referido letreiro, antecede o “EU” permite pensar que a hiperbólica afirmação do amor por Niterói (que, como niteroiense, subscrevo) direciona-se mais aos infinitos feeds de redes sociais do que aos pedestres e banhistas que transitam pelas orlas das praias das Flechas e de Icaraí.
Disponível (2023) é uma instalação pública de Leandra Espírito Santo que se inspira exatamente neste tipo de letreiro e tensiona os processos de comoditização do espaço público, de pasteurização de territórios e paisagens, e de sujeição dos corpos e das cidades à lógica das imagens. A artista esgarça os múltiplos sentidos da palavra ostentada em seu letreiro, deixando poucas pistas a nos orientar em uma interpretação conclusiva da obra. Que o título do projeto seja DISPONÍVEL testemunha a fina ironia com que Espírito Santo constrói o que o crítico Germano Dushá, escrevendo sobre a primeira versão deste projeto, em 2021, chamou de “enigma colossal”. Decisões como a redundância do significante “disponível” no título e na obra, e a formalização econômica do letreiro (com um tipo sem serifa e na cor branca) deixam-nos órfãos da autonomia e da imanência da arte e nos convocam a escrutinar, na periferia da obra, pistas que nos ajudem a lidar com ela.
Disponível (2023) talvez deva ser compreendido mais como o catalisador de uma experiência social e estética do que como uma escultura. Afinal, é no deslocamento deste significante e na sua assimilação a diferentes arquiteturas e paisagens que ocorre a multiplicação dos sentidos possíveis da obra. Em setembro de 2021, o Complexo Fepasa, em Jundiaí (SP), apresentou pela primeira vez o letreiro em sua área externa, desencadeando, ainda sob a atmosfera pandêmica, uma série de especulações sobre o sentido do trabalho. Diante do complexo que abrigou a antiga oficina ferroviária da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, sobressaíram as discussões em torno das questões urbanas, da especulação imobiliária e da lacuna deixada pela falência de um projeto nacional de desenvolvimento. Cumpre destacar que, em Jundiaí, como em Niterói, o projeto acontece para além do local e da materialidade do letreiro, tanto por meio dos cartões-postais produzidos pela artista, quanto das selfies tagueadas e compartilhadas pelo público nas redes sociais.
DISPONÍVEL PARA QUÊ? PARA QUEM?
Este aspecto da obra conversa com a produção recente de Leandra Espírito Santo, caracterizada pela apropriação de signos que povoam as diferentes plataformas de comunicação online. Os emojis e status que associamos aos avatares que representam nossos humores e disposições nos ambientes digitais têm inspirado uma série de esculturas e instalações repletas de ironia. À luz da pesquisa da artista, é possível compreender DISPONÍVEL também a partir da ambiguidade trazida pela relatividade inerente ao uso da palavra na sociabilidade online. Quando optamos pela disponibilidade como status em uma rede social, para que e para quem estamos disponíveis? Frequentemente associada às expectativas de urgência e imediaticidade, nossa disponibilidade (assim como nossa atenção) mostra-se, de fato, bastante limitada. Por isso, ao nos anunciar disponíveis nos chats, estamos, na melhor das hipóteses, mentindo e, na pior, indisponíveis para o aqui-agora do corpo no espaço e do encontro com o outro. Entre a melhor e a pior das hipóteses, há 50 tons de distração pelos quais oscilamos na maior parte do tempo, enquanto vivemos nossa condição crônica e paradoxal de estar e não estar disponível.
Agora, diante do MAC-Niterói, cabe a nós escutar o que Disponível nos diz. Se há, inequivocamente, o imaginário turístico e imobiliário na órbita do espetacular edifício de Oscar Niemeyer e das paisagens que ele instaura, seu uso social como museu nos permite acessar outros sentidos da disponibilidade monumentalizada por Espírito Santo. Investidos das funções de salvaguarda patrimonial e construção de memória, os museus contemporâneos são confrontados com novos desafios, que incluem, para além dos aspectos estruturais ligados à preservação e exposição de seus acervos, a necessidade de se abrirem enquanto espaços de convivialidade, constituição de laços sociais e criação de comunidades. Nesse sentido, inaugurada no último dia 2/9, data em que o MAC-Niterói completou 27 anos, a instalação sugere uma aposta no museu como lugar de encontro com o outro. Será que estamos disponíveis para isso?
Icaro Ferraz Vidal Jr. é pesquisador, crítico de arte e curador independente