Projeto iniciou-se com residência dos artistas e apresenta agora exposição com resultado final dos trabalhos
Legenda: Logo do projeto em cartaz no Sesc Pinheiros
“Então me digam, de quantos pares de sapatos precisa um artista em trânsito? De quantos metros de dentifrício? De quanta disposição para o novo, de quanto desespero, de quanto conforto, de quanta capacidade de dar e receber, de quanta desgraça, de quanta comoção, de quanta bruma?”.
Essas perguntas, realizadas por Ulrikka Pavlov em seu discurso para os bolsistas da Residência Artística Heerings Gaard, em Copenhague, no romance de estreia de Laura Erber, Esquilos de Pavlov, poderiam ter sido feitas a cada um dos dez residentes que integram o projeto Vaivém, no SESC Pinheiros, em São Paulo.
Legenda: Videoinstalação de Kika Nicolela com atores da Cia. Hiato cria polifonia com a sobreposição de vozes dos personagens (crédito: Camila Svenson)
Integrado por cinco brasileiros e cinco estrangeiros convidados, o Vaivém foi concebido pelas artistas Ana Teixeira, Kika Nicolela, Iara Freiberg e Renata Padovam como um jogo, que dá continuidade a relações iniciadas por cada uma delas em residências no exterior.
O japonês Nobuhiro Ishihara, a turca radicada na Alemanha Nezaket Ekici, a sul-africana Thenjiwe Nkosi e a chilena Claudia Vásquez Goméz foram convidados a dividir o mesmo espaço de trabalho com os brasileiros durante um mês. Todos foram assistidos pelos críticos Josué Mattos, brasileiro, e Tristan Trémeau, francês.
O público também foi convidado a acompanhar o processo criativo compartilhado pelo grupo e, ao longo de todo o período de trabalho, o espaço permaneceu aberto para visitas. O processo chegou ao fim na quarta feira 12 de setembro, quando o ateliê foi desmontado para dar lugar a uma exposição.
Embora as respostas que cada residente dá para as perguntas e indagações que surgem dos processos de deslocamentos e viagens sejam certamente muito pessoais – e a particularidade das obras demostra isso – é possível perceber curiosos intercruzamentos entre os projetos dos participantes.
Legenda: Frame de Daydream São Paulo, de Nezaket Ekici (crédito: Camila Svenson)
Nezaket Ekici apresenta dois vídeos e a instalação Family Grave (Mausoléu de Família), inspirado em sua observação do cemitério que cruzava todos os dias, no caminho do hotel em que estava hospedada até o SESC Pinheiros. Impressionada com a proximidade entre tumbas de diversas religiões, Ekici erigiu o mausoléu de sua própria família, unindo familiares cristãos e muçulmanos.
O mesmo cemitério povoou os pensamentos de Nobuhiro Ishihara durante a criação da instalação Paul Brasil – Deer Man. A obra consiste em um painel com imagens de criaturas imaginárias híbridas, realizadas a partir de desenhos feitos por crianças que passaram pelo espaço de trabalho dos artistas com o programa educativo do SESC.
Na composição do painel as criaturas se relacionam com um “homem-cervo” que povoa a obra do artista japonês, acompanhando-o em suas caminhadas pelo mundo, de residência em residência. Ishihara conta à seLecT que, quando propôs às crianças um exercício de invenção de seres híbridos, ele estava, de certa forma, influenciado pela visão dos sobrenomes compostos que viu no cemitério.
Outro cruzamento interessante se dá entre os trabalhos de Kika Nicolela e de Ana Teixeira. As duas artistas realizam trabalhos que, embora muito diversos em linguagem, tem o retrato como forma e se utilizam da entrevista como dispositivo central para sua composição.
Impressões de um Discurso Amoroso, de Kika Nicolela, é uma videoinstalação multicanal, realizada com seis atores da Cia Hiato de Teatro que interpretam personagens para a câmera.
“Convidei cada um deles para conversas íntimas, onde contei a eles minha história amorosa dos últimos dois anos”, conta Nicolela. A partir desses encontros, realizados lá mesmo no SESC, cada ator foi convidado a criar um personagem a partir do que entendeu ou se interessou a respeito da história da artista. “O resultado é uma série de retratos fictícios de mim mesma”, diz Nicolela. Em realidade, trata-se de um retrato sonoro e polifônico, já que todas as vozes se sobrepõem caoticamente num mar de discursos.
Ana Teixeira produziu seus retratos na forma de cinco desenhos de lápis de cor sobre papel, dando sequência à série em processo De Perto Ninguém é Normal. Os desenhos que Ana Teixeira realizou de Claudia Gómez, Nezaket Ekici, Nobuhiro Ishihara e Thenjiwe Nkosi partiram de entrevistas feitas “com perguntas absurdas”. “Qual é a cor de sua voz?”, era uma dessas perguntas, tão espirituosas como a pergunta de Ulrikka Pavlov: “De quantos pares de sapatos precisa um artista em trânsito?”,
O quinto retrato é da própria artista Ana Teixeira, realizado a partir de relatos de como ela foi vista pelos colegas estrangeiros. Os resultados são figuras híbridas de gente, plantas e animais, refletindo os processos de miscigenação que se deram entre todos os residentes.
Vaivém – Residência Artística e Exposição, até 6/10/13, SESC Pinheiros, Rua Paes Leme, 195, SP