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Postado em 22/11/2011 - 7:23
Download a 500 libras
Nina Gazire

Os artistas Damien Hirst e Tracey Emin vendem obras de arte digitais para iPad, iPhone e web

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Obra Love Is What You Want, de Tracey Emin, cuja versão digitalizada será vendida por 500 libras esterlinas. (Foto: David Levene -Guardian)

Faz sentido comprar foto digitalizada pelo telefone ao preço de 500 libras esterlinas? Segundo Tracey Emin e Damien Hirst, sim. Recentemente, a dupla de artistas se reuniu para lançar o projeto chamado s[edition] que pode ser acessado via site por meio de computadores, tablets e telefones, para a compra on-line de obras de arte. Todas as obras são criadas em versão digital com tiragem limitada de duas a dez mil cópias. 

A princípio parece haver algo de errado com a proposta da dupla em reproduzir no âmbito digital o funcionamento do mercado de arte, baseado na lógica da “aura” do objeto artístico, onde o valor pode ser justificado pela tiragem limitada ou raridade da obra artística. No âmbito das redes tudo pode ser replicado, clonado e reeditado a potências astronômicas sem que haja necessariamente a implicação da perda de qualidade e claro, sem ter que pagar diretamente por isso. Obviamente conta-se aqui com o fato de que para acessar ou copiar uma obra artística digitalizada – seja ela imagem, áudio, ou uma obra em netart – estamos gastando nosso dinheiro com a conta de luz, internet banda-larga e por aí vai. Mas o custo benefício para “acessar” a tal obra ainda é ínfimo perto do valor bruto que uma obra de um artista influente pode ter no mercado. 

A famosa “aura da obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica” já era status quo há muito quando Walter Benjamim propôs esse insight brilhante. Mais brilhante ainda foi o gesto de Andy Warhol que transformou o próprio fim da “aura” em “aura”, com a façanha de ter as cópias de suas muitas Marilyns vendidas a preços milionários. Porém, essa não parece ser nem de longe a preocupação dos Emin e Hirst. Assim como Warhol, o que no fim das contas ambos os artistas estão vendendo são seus próprios nomes e de maneira tão imaterial quanto as obras disponibilizadas pelo s[editon]. Nem mesmo a assinatura do trabalho, feita a caneta ou copiada em um certificado impresso inclui-se na soma dessa conta.

Emin, em entrevista a BBC, afirmou que “quando se é um artista que alcançou certo nível, você deve vender-se para o maior número de pessoas possível”. E tal ato deve ser feito a preços muito baixos comparados ao do mercado tradicional. Em 2007, Hirst vendeu, pelo preço de cem milhões de dólares, a obra ‘Pelo amor de Deus’, que consiste num crânio com mais de oito mil diamantes incrustados. Esta é considera a escultura mais cara da história. Mas ainda sim, a bagatela de 500 libras, o equivalente 1400 reais, é algo que o crítico de arte, Jonathan Jones, do jornal britânico Guardian chama de “luxo trivial para uma elite com dinheiro até nos olhos”.

Os compradores que adquirirem uma obra dessa espécie de “galeria virtual” podem armazenar sua cópia da obra de arte, que é numerada e autenticada, em uma espécie de “cofre” on-line, acessível a partir de dispositivos conectados, como tablets e computadores. Os termos de condições do site ainda sugerem que, no futuro, os colecionadores poderão negociar suas coleções com os outros membros do site através de um mercado interno. Nesse momento pode-se até especular até que ponto os modelos econômicos dos MMORPGS (Massive Multiplayer Online Role-Playing Game) ou de ambientes virtuais, como os do Second Life, entram como componentes de influência no modelo proposto pelo projeto. Em jogos como World of War Craft é possível vender armas e objetos virtuais encontrados a preços reais.

Assim como Warhol, Emin e Hirst são conhecidos pela ironia que vai muito além de suas obras. Em 2008, em uma ação audaciosa, registrando um novo recorde no mundo dos leilões, Hirst leiloou diretamente 223 peças na tradicional Sotheby’s, faturando 140 milhões de Euros sem ter que dividir os lucros com nenhum intermediário. Quase que um gesto performático, o ato de Hirst inverteu a lógica do mercado de arte onde artistas dificilmente obtêm lucro sem ter que repassar os dividendos para galeristas e marchands. 

Talvez o que incomode no caso da s[editon] não seja o fato de se vender cópias de obras de arte virtuais. Imaterial a arte já é há certo tempo. Muito menos a ideia de cópias limitadas em um âmbito onde podem ser infinitas. Crê-se não demorar muito para que uma nova profissão surja: a de falsificador de arte digital, que ao invés de vender as séries de imagem em Neon de Emin pelo preço original, vai vazá-las pela rede ao modo Wikileaks. O que é perturbador é essa espécie de erro semântico onde dos próprios artistas entendem a esfera digital como uma espécie de universo paralelo onde o modelo econômico do mercado tradicional deve ser replicado valendo um pouco menos do que “no mundo real”. Fica difícil entender a proposta, quando o próprio Hirst, cuja a fortuna pessoal é enorme, vendia em seu blog cartões postais desenhados por ele mesmo ao preço de um Euro.