Cada personagem com a sua sintaxe. Assim a escritora Edla van Steen definia o exercício de construção das personagens de seus contos – gênero ao qual se dedicou em mais de 50 anos de atividade literária. “Em cada conto, uma linguagem diferente: nunca me preocupei em ter meu ‘estilo’. Sempre dei, e dou, preferência a encontrar alguma coisa coerente com o personagem ou a situação”, escreveu ela em um breve texto autobiográfico, aos 72 anos. Algo similar poderia ser dito sobre as personas e formas de expressão experimentadas por Edla van Steen ao longo da vida (1936-2018).
Acima de tudo, escritora, sim, premiada e inventora de estilos. Em um dos últimos livros publicados, Instantâneos (2013), respondeu aos hábitos de escrita telegráfica que surgiram com as novas mídias sociais. Foi atriz, roteirista, dramaturga e editora de oito coleções literárias. Mas pouco se sabe de sua relevante atuação na arte contemporânea, para a qual ela mesma encontrou uma definição original: editora de obras de arte em série.

Em sua passagem pelas artes visuais, Edla van Steen foi pioneira. Associada à artista Teresa Nazar, dirigiu, de 1972 a 1977, a Múltipla, primeira galeria de arte brasileira dedicada a múltiplos, peças originais idênticas, atreladas a um conceito essencialmente político: a democratização da arte através da multiplicação das obras, em que os custos de produção são diluídos na tiragem. Uma atitude “altamente polêmica, que instaurou um olhar angular diferente para se apreciar e consumir arte”, segundo Maria Bonomi, em texto de 2002 para os 30 anos da galeria. “Estava-se mexendo com os alicerces da tradição empedernida, onde obra boa é obra única.”

A exposição inaugural Múltiplos Brasileiros (1972) trazia trabalhos de uma turma da experimentação pesada que incluía Aloisio Magalhães, Amélia Toledo, Amílcar de Castro, Anna Bella Geiger, Claudio Tozzi, Edo Rocha, Flavio Império, Lothar Charoux, Luiz P. Baravelli, Mario Cravo Neto, Nicolas Vlavianos e Nelson Leirner, com nada menos que os múltiplos da série Homenagem a Fontana, de 1967. Depois viriam mostras individuais de Fernando Lemos, Tomoshigue, Fayga Ostrower, Morellet e Marcelo Nitsche, entre outros. Entre os estrangeiros, o mexicano José Luis Cuevas, “geração da ruptura” com o muralismo, e o franco-argelino Fred Forest. “Edla fez minha primeira exposição no Brasil, em 1973, na Múltipla, no Brooklin, bairro pelo qual circulei alguns meses antes da minha Caminhada Sociológica”, conta Forest, sobre o projeto desenvolvido para o MAC-USP, na gestão de Walter Zanini. A escritora foi uma das principais agentes de um período crucial, em que a arte brasileira se abria e estabelecia vínculos concretos com o mercado. São Paulo já estava repleta de galerias de arte, mas cabe apontar que a Múltipla, consciente da importância de seu papel nesse sistema, foi a única galeria anunciante nos três números da revista Malasartes.
“Cada escritor tem sua forma própria, sua lógica interior. E, também, sua lógica anterior”, escreveu Edla van Steen, que criou sua lógica com invenção, entusiasmo e muita originalidade.