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Davi Kopenawa e Claudia Andujar durante abertura da [Foto: Victor Moriyama para Inhotim]
Postado em 29/04/2025 - 7:32
Encontros na Casa de Terra
Inhotim celebra dez anos de Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano com exposição que incorpora artistas indígenas contemporâneos ao acervo

O silêncio da galeria foi atravessado por uma única voz, que, na língua Yanomami, entoou um tributo à arte como instrumento de luta e uma emocionante reverência a Claudia Andujar. “Minha fala é a arma do povo originário”, afirmou Davi Kopenawa, durante seu discurso na cerimônia de abertura da nova exposição do pavilhão da artista no Inhotim, no último sábado, 26/4. O espaço foi rebatizado com o título da mostra: Maxita Yano, ou casa de terra.

Pela primeira vez desde sua inauguração há dez anos, a galeria recebe uma nova configuração, incorporando 90 obras fotográficas e audiovisuais de 22 artistas indígenas da América do Sul. O diálogo busca complexificar e expandir a obra de Andujar, propondo uma leitura ao lado de artistas contemporâneos, como explica a curadora Beatriz Lemos durante visita à exposição. Sobretudo, destacam-se a autorrepresentação e o protagonismo artístico indígena.

Fachada da Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano [Foto: Beatriz Ferro/ celeste]
“Diferente de uma oposição, a sala cria um complemento. Um espaço onde diferentes perspectivas se encontram e criam uma possibilidade de expansão estética e visual sobre as Amazônias”, destaca Uýra em entrevista à celeste. A artista visual compõe a galeria com três séries de fotografias – Elementar, A Última Floresta e Mil Quase Mortos –, nas quais utiliza o corpo como suporte para costurar histórias vivas, evocando a voz, texturas, cores e intenções da floresta como sujeito. Sua obra é exibida ao lado dos primeiros registros feitos por Andujar na Amazônia, no início da década de 1970: vistas aéreas que ganham perspectivas abstratas quando associadas à cosmologia e ao pensamento Yanomami – como a descida dos espíritos da camada de cima para o mundo do meio, a terra. O dueto com Uýra revela um olhar íntimo de Andujar para a água, a terra e a vegetação, e, por sua vez, a paisagem parece olhar de volta para ela – como Rio Negro (2018), da série Elementar, de Uýra. “Abre-se também uma possibilidade de conexão espiritual, porque esse tipo de conexão só surge de forma multisensorial”, completa a artista.

Claudia Andujar durante abertura da [Foto: Victor Moriyama para Inhotim]
“MINHA FALA É A ARMA DO POVO ORIGINÁRIO” DAVI KOPENAWA

Grande parte da expografia da galeria manteve a montagem original de 2015, com pequenas intervenções para incluir as novas obras em comodato – acervo sob os cuidados da instituição, durante a exposição de longa duração –, entre elas cinco comissionamentos. Das 205 fotografias de Andujar expostas (recorte das mais de 100 obras da coleção do Inhotim), cerca de 30 imagens nunca haviam sido exibidas no pavilhão. Para demarcar os espaços destinados aos artistas convidados, a mostra desenha molduras cinza nas paredes que os acolhem nos núcleos temáticos – sem divisão cronológica ou títulos –, formando uma narrativa fluida.

Ao lado de Beatriz Lemos, a equipe curatorial – formada por Marilia Loureiro e Varusa – destacou os eixos do projeto: além da reformulação da exposição, há o desenvolvimento de um ciclo de programação pública, voltado a ativar espaços externos da galeria com shows, performances e conversas. Renata Tupinambá também esteve à frente da reestruturação feita a partir de um diálogo com povos indígenas do território de Brumadinho, que determina o conteúdo da programação ao longo do ano e cria uma peça de “imagens sonoras” – guia disponibilizado aos visitantes com uma coletânea de narrativas e sonoridades não visíveis no território de fronteira entre o parque e a mata.

Sem título (1974), Claudia Andujar [Foto: Beatriz Ferro/ celeste]
No contexto das comunidades indígenas de Minas Gerais, o cinegrafista e fotógrafo Paulo Desana retrata em sua obra representantes dos povos Xukuru Kariri, Pataxó e Pataxó Hãhãhãe. Durante uma residência artística na região, Desana resgatou a mitologia da viagem da Cobra-Canoa da Transformação, ou Pamürimasa, como é chamada na língua Tukano, na série fotográfica Os Espíritos da Floresta (2025). Por meio da pintura corporal com tinta fluorescente e diversas experimentações com luz, o fotógrafo guiou as lideranças durante o ensaio em duas noites no próprio Instituto, com o intuito de resgatar as memórias das aldeias atualmente localizadas no município. A ocasião simbólica da obra de Desana também marca a retomada das terras de Brumadinho afetadas por um dos maiores desastres ambientais do mundo, o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em 2019.

“A luminescência feita com os grafismos representa a manifestação dos espíritos ancestrais”, aponta Desana à celeste. O uso da luz ressoa de forma muito particular quando vista ao lado de Andujar, como em Sem título (1974), da série Casa, que ressalta a entrada de luz em uma estrutura comunal Yanomami.

“ESTAMOS NUM MUNDO DE QUATRO LINHAS, COMO O MUNDO OCIDENTAL. MAS O NOSSO MUNDO E O NOSSO TEMPO DE SER É CIRCULAR” ALEXANDRE PANKARARU
Pamürɨmasa (os “Espíritos da Transformação”) (2021), de Paulo Desana. Na foto, Manoel Lima [Foto: Inhotim/ divulgação]

ENCONTRO INTERGERACIONAL

Ao longo do extenso pavilhão, o encontro entre gerações é celebrado em diversos momentos. Híbrida (2025), curta-metragem de Graciela Guarani, Alexandre Pankararu e Tiniá Pankararu-Guarani, aborda a juventude indígena distanciada de um propósito comunitário em um cenário distópico. Tiniá é a filha do casal e protagonista do filme, simbolizando o encontro entre as culturas Pankararu, de Pernambuco, e Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. A produção é idealizada, dirigida e protagonizada em família, e viaja por diferentes temporalidades para afirmar a importância da luta indígena para as novas gerações. Alexandre Pankararu conta à celeste sobre a importância deste movimento de resgate das conquistas e desafios da autonomia dos povos. “A gente tá percebendo que estamos num mundo de quatro linhas, como o mundo ocidental. Mas o nosso mundo e o nosso tempo de ser é circular […] Meus filhos não acompanharam as gerações que deram sua vida pelo território e pela nossa cultura. Então há uma preocupação de usar essa linguagem (das redes sociais) e aplicar a temática do futurismo para chamar a atenção dos jovens também”, afirma.

Híbrida (2025), de Pankararu e Tiniá Pankararu-Guarani [Foto: Beatriz Ferro/ celeste]
A estética futurista alcança um espaço de especulação, reunindo um amplo arquivo audiovisual no momento em que a personagem, uma adolescente indígena, encontra uma inteligência artificial que relembra lideranças indígenas históricas em projeções holográficas. O encontro entre passado, presente e futuro finaliza o percurso expositivo de forma muito representativa do novo propósito da galeria, o de revisitar a trajetória excepcional de Claudia Andujar com uma leitura contemporânea e “pensar na produção de obras que não têm a arte como fim, mas como travessia”, destacou Júlia Rebouças, diretora artística do Inhotim, em fala na cerimônia de abertura. 

O público ainda poderá conferir na mostra de longa duração os trabalhos dos artistas convidados Edgar Kanaykõ Xakriabá, Tayná Uráz e Denilson Baniwa, além dos nomes internacionais Elvira Espejo Ayca, Julieth Morales, Olinda Silvano, David Díaz González e Lanto’oy’ Unruh.

Claudia Andujar ao centro com curadores, artistas e equipe do Inhotim [Foto: Victor Moriyama para o Inhotim]
Davi Kopenawa assina a curadoria da sala dedicada à Hutukara Associação Yanomami, organização representativa dos povos Yanomami e Ye’kwana, com mais de 20 anos de atuação. O espaço exibe vídeos de Morzaniel Ɨramari Yanomami e do trio Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomami, além de 18 desenhos de Ehuana Yaira Yanomami, Joseca Yanomami, Oneron Yanomami e Salomé Ohotei Yanomami. As obras reforçam o projeto curatorial de legitimação e autorrepresentação do povo Yanomami – sintetizado também nas palavras do xamã e importante liderança: “Hoje é o nosso futuro.”


SERVIÇO
Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano
Instituto Inhotim
Em exibição por tempo indeterminado


Beatriz Ferro viajou para Brumadinho para a abertura da Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano a convite do Inhotim

"HOJE É O NOSSO FUTURO" DAVI KOPENAWA