Vulcões são tragédias dormentes, eminentes, que evocam o sublime da natureza por excelência. A ideia da erupção, uma culminação repentina de uma energia acumulada, remete a um gesto explosivo e ao movimento caótico. Apesar disso, a série BOCA DO INFERNO de Carmela Gross é resultado de uma pesquisa menos eruptiva e mais repetitiva: a artista desenvolve inúmeras derivações de uma imagem inicial para decantar a erupção como forma.
A artista acumulou, entre 2017 e 2018, fotos de vulcões na mídia. Dessas fotos, gerou formas, manchas gráficas, a partir de edições digitais. As manchas editadas deram origem às manchas analógicas que a artista produziu em lápis e nanquim; esboços para as monotipias em questão. Foi em 2019, no Ateliê de Gravura da Fundação Iberê, que Gross se dedicou a uma imersão de duas semanas na produção de centenas de monotipias resultantes desse processo de decantação pictórica, com colaboração do artista e impressor Eduardo Haesbert.
Decantar uma erupção é como um paradoxo. É encontrar a forma do disforme, a permanência do instante. É esse paradoxo que leva a artista a produzir uma espécie de registro gráfico da tragédia, da premonição, enquanto uma sensação abstrata que domina a leitura de suas monotipias. Na ocasião da 34ª Bienal de São Paulo, onde a artista as expôs, o curador Paulo Miyada comenta: “Com o acúmulo do fazer, entretanto, o movimento se desvencilha da tendência ao triângulo escaleno, adquirida no desenho repetido dos vulcões. A mancha se torna mais e mais uma mancha, conforme a artista insiste em seu labor. De tanto ser mancha, entretanto, torna-se também pedregulho, meteorito, buraco, tumor”.
É também esse agouro da tragédia que torna a exposição infelizmente oportuna. A tragédia se anuncia repetidamente até que seu acontecimento deixe de parecer um acaso da natureza e se torne um estado permanente de coisas. Emilio Kalil, diretor-superintendente da Fundação Iberê, diz que a exposição “estava prevista para início de junho, mas Porto Alegre ainda não estava pronta para abrir algumas de suas instituições, nem mesmo para receber visitantes. Tudo havia sido tomado pelas águas, como uma lava”.
Serviço:
BOCA DO INFERNO
Por Carmela Gross
De 10/8 a 17/9 (entrada gratuita no mês de agosto)
Na Fundação Iberê (Porto Alegre, RS)