Distribuída em três salas da Pinacoteca, a exposição Lenora de Barros: Minha Língua tem a circularidade dos poemas que iniciam e terminam com a mesma estrofe. Cada uma das três portas por onde se escolha entrar determinará um percurso narrativo que resulta inacabado, não se fecha e pede recomeçar em outra direção. Esse andamento ricocheteado se afirma em ecos e repetições entre muitos dos 40 trabalhos da mostra, realizados entre 1975 e 2022.
Escolhemos começar por Ri-Chora (1975-2017), um poema gutural formado por lamentos e exclamações. A obra é, em si, composta por um padrão repetitivo, na medida em que acontece simultaneamente no modo sonoro e no formato impresso. Nesse sentido, é um exemplar cristalino do padrão “verbivocovisual” da poesia concreta, que explora a simultaneidade da comunicação verbal e visual. Na versão impressa em adesivo vinílico na parede, dois poemas rigorosamente idênticos se espelham. A variação acontece apenas no título de cada um: ri/ chora. Na versão sonora, os dois poemas idênticos são lidos com as entonações próprias de quem ri e de quem chora.

Ri-Chora reverbera no vídeo-poema-performance Ela Não Quer Ver (2005), em que similares lamentos e exclamações se reorganizam em um texto sobre a impossibilidade de visão e discernimento. Parte da quadrilogia de vídeos Não Quero Nem Ver (2005), a obra é um desdobramento de um tema de interesse central para a artista: os sentidos. As (im)possibilidades do olhar repercutem em Eu Não Disse Nada (1990), Fogo no Olho (1994) o Olhos de Lila (2000). A mesma lógica de irradiação entre trabalhos pode ser observada entre muitas outras obras sobre a fala, ou seu impedimento, como Pregação (2016), performance coletiva em que a artista convoca colaboradores a martelar na parede as letras da palavra silêncio, com o duplo sentido de pedir silêncio e negá-lo com um ruído ensurdecedor.

Persona
Outro aspecto que sobressai neste raro encontro de obras é o papel da cinematografia e da teatralidade na estruturação da linguagem de Lenora de Barros. A reincidência do uso de frames fotográficos, compondo palavras, frases e discursos – Em CALABOCA, 2006; Eu Não Disse Nada, 1990; e Homenagem a George Segal, 1990, por exemplo – confere aos trabalhos fotográficos a relação tempo-espaço das imagens em movimento.
Já a teatralidade é manifesta e reiterada em cada poema-performance “escrito” com o rosto ou as mãos. “Sim, vejo as imagens criadas nesse trabalho como espécies de máscaras que me permitem passar de um plano subjetivo ao plano de um ‘eu lírico’, digamos”, diz Lenora sobre Procuro-me (2001), em entrevista a Luisa Duarte e a curadora da exposição Pollyana Quintella, publicada no catálogo da mostra. O “eu lírico” ao qual Lenora se refere remonta ao conceito de persona – personagem literário encarnado pelo autor, ou, na psicologia, aspecto da personalidade dissimulado da aparência real de uma pessoa. Atendendo à lógica circular de um grande corpo de trabalhos que inicia e termina com a mesma estrofe, voltamos a Ri-Chora (1975-2017), em sua capacidade de manifestar, em som e texto, a imagem das máscaras do riso e do choro que simbolizam o teatro.
