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Obra da série Carimbos (1977-78), de Carmela Gross (Foto: Divulgação)
Postado em 24/04/2023 - 3:34
FALHAR DE NOVO, FALHAR MELHOR
A série Carimbos, de Carmela Gross, exposta novamente ao público no IAC, após 45 anos, chama para os encargos do trabalho da artista

Está em cartaz no Instituto de Arte Contemporânea, em São Paulo, a exposição Carimbos, de Carmela Gross. A curadoria de Ricardo Resende reapresenta ao público a série que dá título à mostra, desenvolvida entre 1977 e 1978 pela artista. Exposta pela primeira vez, em 1978, na finada Galeria de Artes Gráficas, da qual Mônica Filgueiras e Raquel Arnaud eram sócias fundadoras, 45 anos distanciam os dois momentos.

A partir da premissa de que a série Carimbos existe além de seu resultado materializado na aplicação de carimbos em mais de uma dezena de folhas de papel com os rabiscos e garatujas estampados em série, a mostra associa as obras ao seu processo de produção. Por dois anos, Carmela Gross estudou reproduções em livros das pinturas dos impressionistas franceses e, por um processo minucioso de isolar e achatar até a síntese máxima traços e pinceladas, reduziu-os ao rabisco, à mancha. Esses elementos foram então replicados em carimbos, como “extrapolação de um princípio burocrático”, em que a “artista sufocava o princípio de autenticidade do gesto artístico”, como define Paulo Miyada no texto “A geógrafa, a má revisora e a espeleóloga”. O processo inegável da ação do tempo na série reside no dispêndio de tempo empregado em sua fabricação, assim como no quase meio século necessário para o seu reconhecimento como algo a ser preservado, agora em uma instituição dedicada a tal tarefa. O IAC tem como projeto a preservação de arquivos de artistas constituintes do que reconhecemos hoje como arte contemporânea brasileira.

Durante uma fala com Carmela Gross e a curadora Galciani Neves, organizada pelo IAC por ocasião do lançamento de um projeto do instituto que oferece bolsas de pesquisa para estudantes universitários e recém-formados, perguntei à artista como ela encarava o tempo como matéria nessa série: “Foi o primeiro trabalho em que me senti realizada, naquele momento, em todos os aspectos, na técnica e execução, na prática em que havia me especializado por anos, no resultado”. Assumiu também que os papéis que são hoje o produto final ficaram esquecidos por muito tempo, largados, e que a faziam lembrar daquela situação, de todo o esforço árduo, braçal, físico e mental, encerrando-se quando a exposição acabou, com quase nenhum visitante. Parte do conjunto pertence, hoje, a Bernardo Paz, fundador do Instituto Inhotim.

Ainda que para um público especializado, a exposição no IAC tem outros ares. O público não é massivo, mas colossal, se comparado ao do Gabinete em 1978. O tempo é outro e o interesse pela série aumentou ao longo dos anos, assim como o nome e a trajetória de Carmela Gross, como artista, ganharam outra escala. Mas o que salta aos olhos é a generosidade da expografia e o trabalho de Gross – digo, o trabalho e o esforço do fazer artístico –, a contradição interna do trabalho (ser compulsivo ao mesmo passo que mecanicamente simples), e isso ser visível aos olhos nas matrizes, nos esboços, nos convites, reportagens e tudo aquilo que não é obra, mas integra o trabalho da artista. Se tomarmos a mercantilização da força de trabalho como gasolina e motor do capitalismo, como argumenta o pesquisador britânico Peter Osborne, Carimbos é ainda mais ambígua e contraditória. São as horas de ateliê, de repetição das mesmas formas, além de trocas, conversas e todo o trabalho afetivo feito por Gross ao longo dos anos, que fazem a série ser o que é na atualidade. Hoje, mais pessoas estão fazendo arte e pensando sobre arte, afirma Carmela em conversa com Galciani Neves. Isso implica um processo de aprendizagem para quem trabalha diretamente com arte e para todas as outras pessoas que fazem outras coisas. Os compradores são apenas alguns, mas o tempo é múltiplo e é compartilhado. Que venham os próximos 45 anos de Carimbos, para olhar e pensar de novo sobre seus significados.

Carimbos – Carmela Gross
Até 13/5
Instituto de Arte Contemporânea (IAC)
Av. Dr. Arnaldo, 120/126 – São Paulo
www.iacbrasil-online.com/

Obra da série Carimbos (1977-78), de Carmela Gross (Foto: Divulgação)
Obra da série Carimbos (1977-78), de Carmela Gross (Foto: Divulgação)