Amiga, cê vai passar a virada de janeiro pra fevereiro onde? Meme lido num fio acerca do estranhamente longo mês de janeiro de 2025. A sensação de ter vivido um ano em um mês parece generalizada na coletânea de frases que o perfil humorístico (e temático) @sebastiao.salgados publicou no final do mês no Instagram. Para quem vive ligado nas notícias, a maratona foi intensa: incêndios na Califórnia; enchentes no Brasil; o ministro do STF Flávio Dino exigindo transparência nos gastos com emendas parlamentares; Meta anunciando fim da checagem e da moderação de conteúdo de ódio; Trump promovendo deportação em massa e cancelando todos os programas federais de diversidade e inclusão. A turma artsy também maratonou, da Rádio Novelo à decisão de Xandão sobre o livro Diário da Cadeia, de Eduardo Cunha (Pseudônimo). E, afinal, janeiro chegou ao fim. Entre mortos (Pippa Garner, David Lynch, Jo Baer, Marina Colasanti, Jaune Quick-to-See Smith) e feridos, os sobreviventes assistimos ao alvorecer de fevereiro num sábado chuvoso e mesmo assim abafado em São Paulo.
O fato é que o ano começou com um chute na porta. Há quem diga que nada começa antes do Carnaval, para o qual seguramos nossas esperanças de que tudo ainda possa acontecer. É nessa suspensão temporal que profissionais dos búzios, horóscopo, tarot e outras encantarias fazem suas previsões. Sob os auspícios de seus astros, a revista celeste também profetiza bons momentos, aspectos e trânsitos da programação artística e cultural. No entanto, o céu também traz seus maus presságios: a previsão do tempo continua indicando a emergência climática, cataclismos, fins de mundo e começo de outros mundos.
MUNDOS ARTIFICIAIS DE NÃO-FICÇÃO
A utopia do futuro e a distopia do presente caminham como duas vertentes na arte contemporânea. Em tempos de DeepSeek e algoritmos descontrolados da Facebook-Meta, não dá mais para chamar de futuro o que será apresentado no museu parisiense Jeu de Paume, em Le Monde Selon l’IA [O Mundo Segundo a IA, 11/4 a 21/9]. Com curadoria geral de Antonio Somaini, a mostra reúne artistas que, na última década, vêm trabalhando criticamente a temática da Inteligência Artificial. Comentários pertinentes sobre nossos novos dilemas abundam: uma sensação de desrealização recai sobre nós nas imagens de Inès Sieulle, objetos visuais ganham autonomia e se afastam exponencialmente de nossa materialidade limitada nas inversões operadas por Grégory Chatonsky. Taller Estampa, em seu vídeo What Do You See, YOLO9000? (2019), e Trevor Paglen, com referência à arte conceitual em The Treachery of Object Recognition (2019), tratam da recategorização conceitual do mundo quando a linguagem se torna maquínica. Paglen decupa o tema em Image Operations. Op.10 (2018), filmado no histórico Funkhaus de Berlim, em que assistimos simultaneamente a uma apresentação musical e uma versão da apresentação vista pela IA. O espectador vê inicialmente um quarteto de cordas executando a Op. 10 de Debussy, mas o vídeo evolui para a visão computacional de sistemas que “interpretam” (categorizam, codificam, processam) o que a câmera está vendo. A sensação de vigilância se instaura com um software simples de detecção de rosto, que muda para a visão dos artistas pelos olhos mecânicos de algoritmos usados em carros autônomos, mísseis guiados, drones e desemboca na análise de poderosos algoritmos de inteligência artificial projetados para estimar a idade, o gênero e os estados emocionais dos musicistas. Entre as obras (algumas inéditas), cápsulas do tempo remontam à história técnica e social da IA: o registro não é o da ficção científica, porque não se trata de ficção.


MAIS DE 1,5 GRAUS
A questão ecológica urge no ano em que o Brasil sedia a COP30, em Belém (PA). Lideranças políticas defendem que a edição brasileira da cúpula do clima terá a relevância da COP21, que aconteceu em 2015, em Paris, do qual resultou o Acordo de Paris, em que os países participantes estipularam não ultrapassar um aumento de 1,5 graus na temperatura global. Em 2024, o planeta Terra ultrapassou esse nível de aquecimento. Concomitantemente ao evento da ONU, acontece também na capital paraense a 2ª Bienal das Amazônias, com curadoria da equatoriana Manuela Moscoso. Além de reposicionar o centro geográfico e cultural da arte brasileira, a edição gera a expectativa adicional de se contrapor aos agentes internacionais do debate climático institucional com visões entranhadas na floresta e seus problemas reais e soluções que emergem do território amazônida.
Com o meio-ambiente em colapso, era de supor que o mundo inteiro estivesse com olhos sobre a Amazônia. Amazonias. El Futuro Ancestral está acontecendo no Centre de Cultura Contemporània de Barcelona (CCCB) até 4/5 e viajará para o Museu de Arte de Belém do Pará (Mabe) em setembro. A exposição tem coordenação curatorial de Claudi Carreras, ativista de Barcelona que trabalha para a National Geographic Brasil. Artistas como Daiara Tukano, Rember Yahuarcani, Gê Viana e o fotojornalista Victor Moriyama (que atualmente participa da terceira Residência Artística-Editorial Celeste) compartilham pesquisas artísticas que emergem da floresta. O painel de grandes dimensões Aquellos Otros Mundos (2024), de Yahuarcani, artista da nação Uitoto, do Clã Garça Branca, na Amazônia peruana, retrata cosmogonias indígenas e aponta para a extinção iminente da humanidade por causa da exploração predatória da terra por máfias de madeireiros, pelo narcotráfico e pelos gigantes da mineração: “La Amazonía es el lugar más peligroso para los ciudadanos indígenas”, escreve o artista no canto da tela, listando as dezenas de lideranças assassinadas na última década.

Mas do Norte ao Sul brasileiros, o clima aperta: a COP30 também é contexto que os curadores Richard Romanini, diretor artístico do Museu Paranaense, e de Pollyana Quintella, curadora da Pinacoteca de São Paulo, destacam para a mostra Observatório: Diálogos Meteorológicos entre Planeta, Ciência e Saberes Tradicionais, que abre em dezembro no MUPA. Uma obra da série Temporali (Tempestade), do artista Alberto Garutti, ocupa o espaço central: instalação em que luzes que se intensificam quando um raio cai em solo italiano. No MAXXI (Museu nacional das artes do século XXI, em Roma), outro Temporali tem a forma de um letreiro iluminado, onde se lê: Quest’opera è dedicata a chi passando di qui penserà al cielo (Esta obra é dedicada aos passantes que pensam no céu). A proposta curatorial pensa a meteorologia e a observação climática como práticas globalmente interconectadas, superando o localismo paliativo das discussões ambientais: estamos todos sob o mesmo céu.
Em São Paulo, o MASP reafirma: é o ano de Histórias da Ecologia. Nossas previsões indicam que imperdíveis serão as mostras solo de artistas mulheres, como Hulda Guzmán: Frutas Milagrosas [11 a 24/8] e Clarissa Tossin: Ponto sem Retorno [10/10 a 1/2/2026]. Destacamos Minerva Cuevas: Ecologia Social [5/12 a 8/3/2026], cuja curadoria, assinada por André Mesquita, aponta três aspectos principais da trajetória da artista mexicana: investigações sobre os impactos do mundo corporativo na vida cotidiana; o conceito de “ecologia social”, desenvolvido pelo filósofo estadunidense Murray Bookchin; e a exploração marinha de recursos naturais, que as companhias petrolíferas realizam impactando o clima, a vida marinha e as comunidades tradicionais do entorno.
Imaginando possíveis futuros, o Paço das Artes inaugura sua programação anual com a coletiva Ainda Não é o Fim do Mundo, em cartaz até 11/5. O curador Renato de Cara reúne 18 artistas que reimaginam linguagens e representações utópicas de um estado irreversível do ecossistema. A artista indígena UÝRA compõe a mostra com um trabalho da série Elementar (ed. 55, 2020), com fotografias que dialogam não somente com a floresta, mas como os seres que nela habitam.

O MUNDO DÁ VOLTAS
2025 é ano de comemoração para a Pinacoteca do Estado de São Paulo, que alinha a programação para marcar seu 120º aniversário. Dicotomias entre moderno e contemporâneo, popular e acadêmico, centro e periferia, entrelaçam exposições que destacam a América Latina tanto pelo viés da história da arte pop, quanto pela retomada de suas cosmogonias originárias no contexto da arte contemporânea. Isso se desenha, por exemplo, na mostra monográfica da colombiana Beatriz González, pioneira na arte pop latinoamericana, que ocupa sete salas [30/8 a 1/2/2026] da Pina Luz com sua poética baseada na apropriação da história da arte ocidental em pinturas de temas locais em suportes não-convencionais.
Quatro individuais para ter no radar. Rivane Neuenschwander prepara para o segundo semestre [agosto a novembro] exposição no Itaú Cultural. Intitulada provisoriamente de Susto e curada pela jornalista Fabiana Moraes – que por sinal acaba de lançar novo livro, Ter Medo De Quê? Textos Sobre Luta e Lantejoula (Arquipélago, 2024) –, a mostra trabalhará temáticas recorrentes da artista, como a sociopsicologia do sonho, do medo e da infância. Dora Longo Bahia dá os acabamentos para individual Rahj al-ġār na Galeria Vermelho, em São Paulo, que abre agora em março. Em breve, em local e data a confirmar, a artista também apresentará um filme resultante da pesquisa realizada na terceira edição da Residência Artística e Editorial Celeste.

Ilê Sartuzi dá seu Truque [15/3 a 15/6] no MAC USP. Com curadoria de Marcela Vieira, a mostra consiste em uma série de intervenções sutis, semelhantes a truques de mágica, que desvendam elementos infraestruturais de espaços institucionais de arte e cultura. O projeto gira em torno de Sleight of Hand (2023-2024), trabalho de conclusão de mestrado na Goldsmiths College, Londres, em que Sartuzi substituiu moeda histórica no British Museum por uma réplica. Deu o que falar na mídia, por bem ou por mal; considerando o histórico do museu britânico, diríamos que o artista pagou sua arte na mesma moeda. E a dupla Bárbara Wagner & Benjamin de Burca apresenta no Sesc Avenida Paulista uma instalação inédita no país. Com curadoria de Clarissa Diniz, Espelho do Poder [20/2 a 3/8] transforma a exibição dos filmes Swinguerra (2019) e One Hundred Steps (Cem Degraus, 2020) em um espetáculo conduzido pela voz da mestra de cerimônias Indra Haretrava. A narração tece comentários sobre os métodos dos artistas, que refletem sobre as políticas do olhar e as práticas de espelhamento.
CASA DA TERRA
Quando se fala de fotografia, no Brasil e no mundo, atenção às programações do IMS e do MoMA-NY. Na sede paulista, o Instituto Moreira Salles destaca grandes nomes da fotografia e do cinema mundial: a célebre fotógrafa e ativista sul-africana Zanele Muholi será homenageada em retrospectiva [22/02 a 15/06] trazendo trabalhos de peso como a documentação da comunidade negra LGBTQIAPN+ na África do Sul. O público brasileiro também terá a oportunidade de conhecer Agnès Varda Fotógrafa [22/11 a 12/04/2026]. E, como é tradição, New Photography 2025: Lines of Belonging [14/9 a 17/1/2026], no MoMA, lança os futuros grandes nomes da fotografia-arte.

Do futuro da fotografia-arte para o passado da fotografia-política, Inhotim homenageia a obra ativista de Claudia Andujar (Suíça, 1931) através de suas relações com nomes indígenas na arte contemporânea brasileira e internacional [26/4]. Uma celebração dupla: de seu legado enquanto defensora dos direitos dos Yanomami e da possibilidade de que possamos, hoje, ver imagens através dos olhos não-brancos de uma nova geração. É a mudança do “falar sobre o indígena” para “o falar indígena” que a Galeria Claudia Andujar, que faz 10 anos em 2025, passará a se chamar também Maxita Yano, ou “casa de terra” para os Yanomami.


SE OYE BONITO
2025 é ano de bienais brasileiras: Belém, São Paulo e Porto Alegre sediam suas respectivas mostras, antenadas com a experiência contemporânea, seja a da resistência à queda do céu, a dos “mundos submersos que só o silêncio da poesia penetra” ou a da transformação das matérias da vida, respectivamente.
A 14ª Bienal do Mercosul – Estalo – parte de “um gesto voluntário que, para a experiência humana, está relacionado a diversos usos e interpretações”, o estalar de dedos. Para abordar as artes do som, do movimento e da metamorfose, produzidas por 76 artistas de diversas regiões do mundo, a curadoria-geral de Raphael Fonseca lança a imagem deste ato mínimo com tantos significados: “A chamada para a ação; o induzir e o despertar em atos de hipnose; a domesticação de outros animais; a tentativa de recordar uma palavra que esquecemos; um pedido de silêncio em uma sala de aula; uma forma de aplaudir uma apresentação ou de incentivar um discurso em andamento”. Anota na agenda: vai de 27/3 a 1/6.
Mais ao norte da ilha, veremos Rashid Johnson: A Poem for Deep Thinkers [18/4 a 18/1/2026] no Guggenheim, uma retrospectiva dos quase 30 anos de produção do artista estadunidense. Johnson explora as relações raciais e socioeconômicas do país em uma diversidade de meios, da fotografia retratística à pintura abstrata. O que amarra sua produção é a sua disposição em abordar a complexidade das tensões sociais através de procedimentos conceituais. A mostra ressalta sua importância como artista contemporâneo e acadêmico, grande expoente da chamada arte pós-negra americana dos anos 1990, mas também invoca um balanço: em um ano que promete colocar artistas negros contemporâneos sob os holofotes, a iniciativa reflete e historiografa a discussão sobre racialidade na arte contemporânea das últimas décadas.
Por que falar das últimas décadas em nossas previsões? Às vezes o futuro guarda uma volta de um passado exterminado. Em Paris, o Centro Pompidou volta sua programação para a influência de artistas negros na França. Apresentando obras que muitas vezes nunca foram exibidas no país, Paris Noir [Paris Negra, 19/3 a 30/6] evidencia as histórias afro-atlânticas em uma perspectiva contemporânea sobre memória e apagamento.
Aos que desejam resgatar um passado em que o futuro ainda era possível e aos que vislumbram o futuro em um presente pós-realista, fica o nosso desejo de que, indo em direções opostas, ainda encontremos algum mundo depois do fim. Na arte o encontramos, já que ela sempre aponta para mais longe do que chegamos – como uma constelação celeste, que é lida como símbolos, caminhos e presságios.