Os arqueólogos de mídias bem que poderiam propor um estudo sobre o recente revival dos gifs animados, aquelas imagens com atributos cinemáticos típicas da internet da década de 1990. E eles voltaram com tudo, com a rede social Google+ lançando uma nova ferramenta de criação para entusiastas e várias menções honrosas em veículos de arte e cultura. Mas isso não é tudo. Exemplos: a famosa Galeria Saatchi ofereceu recentemente um prêmio para os criadores das melhores “fotografias em movimento”; a capa do site do New York Times tem destacado várias amostras; e até uma exposição de gifs animados foi montada este ano na Galeria Mulberry, localizada na Universidade de Denison, EUA.
Mas qual seria a explicação para a notável escalada de uma estética criada nos primórdios da internet comercial? Claro que a incompatibilidade do iPhone e do iPad ao falecido flash fornece algumas pistas, mas serão elas suficientes? O determinismo tecnológico talvez não explique completamente o fenômeno, pois há que se considerar aspectos mais subjetivos, como a conhecida fascinação humana por heranças técnicas antigas. No caso, o rico legado deixado pelos pioneiros das artes cinemáticas, como Eadweard Muybridge e Étienne-Jules Marey (pesquisadores do movimento através de fotografias sucessivas); e Edward Raymond Turner (criador do processo de coloração de filmes).
É fato que, durante os 25 anos de World Wide Web, o Graphics Interchange Format (traduzido como “formato para intercâmbio de gráficos”) sempre contou com uma carinhosa popularidade, muito em razão de sua sustentável leveza. Porém, não há como ficar indiferente ao seu “renascimento” e à recente enxurrada de novas animações que têm invadido sites low e highbrow. É possível elaborar até uma taxonomia dessa forma de expressão, a começar pelos cinemagraphs, ou a inserção de movimentos sutis em pontos estratégicos de fotos estáticas (as tais “fotografias em movimento” celebradas pela Galeria Saatchi). Há também grafites elaborados para serem vertidos em gifs animados, e até trailers de filmes em vias de lançamento.
Nesta época repleta de imagens digitais perfeitas, com resoluções fantásticas, os saudosistas apostam: nada como um gif animado, seja ele tosco ou não. O que importa é a sensação da atmosfera vintage, a remissão analógica, a imperfeição mais que perfeita, o senso estético perdido. Mais do que decretar a extinção de uma mídia, parece-nos mais apropriado celebrá-la, mas sem muita fanfarra (afinal, tudo que parece sólido na internet desmancha no ar). Tendo isso em vista, a seLecT selecionou alguns exemplos que merecem um olhar mais atento.
Mona Lisa: transition from the Prado to the Louvre version (2013), por Claus-Christian Carbon e Vera M. Hesslinger
O estudo procura demonstrar que as duas versões da Mona Lisa de Da Vinci – a original, no Louvre, e a cópia, no Prado – são duas metades de uma única imagem estereoscópica, ou seja, da primeira imagem 3D da história. (GIF)
Prismatic paint job (2013), por Thund3rbolt
Uma Lamborghini Countach envolta em filme de vinil holográfico. O gif foi editado a partir de um vídeo sobre os bosozoku, os bad boys de Tóquio, que se dividem em duas tribos: os motociclistas e as gangues de Lamborghini. (GIF)
Sem título (2013), por Televandalist
Vale pela meta-experiência. Receita: primeiro, monta-se um flipbook mecânico com imagens de um passeio na montanha-russa. Depois, cria-se um filme por meio do Vine, aplicativo que permite a geração e publicação de vídeos curtos em looping. E, por último, edita-se um gif animado com o resultado final. Voilà! (GIF)
131023 (2012), por David Szakaly
Szakaly, também conhecido como Davidope, é um artista húngaro conhecido por suas animações low tech psicodélicas e hipnóticas. A peça específica é a versão de uma de suas obras materializada pelo Gifpop, ferramenta que transforma gifs animados em cartões feitos com impressão lenticular. (GIFs: original e derivado)
Jamboree (After Heinrich Knoblochtzer) (2008), por Saul Chernick
Chernick realiza a mistura perfeita entre duas formas de expressão simples, mas separadas em cinco séculos: as gravuras renascentistas e os gifs animados. O tema desta peça é sobre a morte, mas os alegres esqueletos-luthier de Knoblochtzer invocam um clima de celebração. (GIF)
Chuck Close Filter animation tests, aka ‘Chuck Close TV’, por Scott Blake
Blake criou um filtro para Photoshop baseado nas técnicas de fotorrealismo de Chuck Close, fotógrafo e pintor estadunidense. Neste exemplo, o artista criou um gif animado somando duas apropriações: os mosaicos de Close e o famoso cavalo em movimento de Muybridge. (GIF)
Sem título (2013), por Hilary Faye
A artista australiana descobriu recentemente – e por acaso – uma poderosa harmonia entre suas colagens de antigas revistas e a poética dos gifs animados. O efeito estético proporcionado pela junção é impressivo. (GIF)
Sem título (2013), por INSA e UNGA
Os artistas realizam diferentes versões de um mural de rua, retocando as várias camadas, fotografando as modificações e finalizando o resultado em um gif animado. O “gif.iti”, como eles alcunham a técnica, combina perfeitamente suportes analógicos e digitais. (GIF)
Seeing New York (2014), por Jamie Beck e Kevin Burg
Dos criadores do termo cinemagraph, o qual eles descrevem com certo humor como “mais do que uma imagem de vídeo, mas menos”. A peça faz parte de uma série de gifs animados intitulada Seeing New York. Conceito: expor a Big Apple através de um par de óculos. (GIF)
*Curadoria publicada originalmente na versão iPad da edição #18