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Still do vídeo O Bem e o Mal Entendido (2023), de Jarbas Lopes
Postado em 28/03/2024 - 6:21
Fonte de energia de prazer
Em Hidrobras, Jarbas Lopes propõe a transmutação da matriz energética brasileira do petróleo para a água

É novembro de 2023. Jarbas Lopes pega a estrada, em Maricá, município do Rio de Janeiro, dirigindo seu Fusca branco, com destino a São Paulo, para a montagem da individual Jarbas Lopes: eixos, em cartaz na Pina Estação até 31/3/24. Logo na saída, cruza com moradores do bairro, no meio da rua, atiçando fogo a uma pilha de galhos secos e pneus, em protesto pela falta de luz e de água há três dias. Por todo o percurso de saída da cidade, de São Gonçalo até Niterói, Lopes atravessa várias barricadas. “Tudo resultado dessas privatizações que obrigam a gente a pagar a conta, sem entregar o serviço”, diz o artista no vídeo O Bem e o Mal Entendido (2023), que documenta a viagem do Fusca branco, que é a base de uma instalação de mesmo título, montada no estacionamento do museu. Mas esse vídeo é também um statement, a ser lido no contexto da obra-manifesto Hidrobras (2022-24), de viés ativista socioambiental, que propõe substituir a Petrobras pela criação de uma nova estatal que fará o manejo sustentável e permanente do maior ativo da economia brasileira: a água.

No Rio de Janeiro, os serviços de água e esgoto foram privatizados em 2021. Em dezembro de 2023, foi sancionada em São Paulo a lei que autoriza a venda da empresa estatal de águas e esgoto. “Se um dia São Paulo realmente se tornar um deserto, se essa terra aqui for consumida pela destruição, pela proliferação da selva de pedra, os motores do Fusca irão sobreviver bem”, continua Jarbas Lopes no documentário. “Esse é um carro próprio para lugares quentes, desertos, com falta d’água. Ele é mais que um camelo, porque não bebe água, esse carro. Eu tenho que beber por ele.”

Hidrobras (2022), de Jarbas Lopes
Still do vídeo O Bem e o Mal Entendido (2023), de Jarbas Lopes

Com 13,7% de toda a água doce no planeta, o Brasil é a maior reserva hidrológica do mundo, considerado por isso o “manancial da Terra”. “Como sociedade, vamos fazer o seguinte: doar a Petrobras para um ferro velho brasileiro e desenvolver a Hidrobras”, aponta o artista. No projeto, a matriz energética a partir de agora será a água, que passará a ser pesquisada e cuidada, para ser limpa, pública e gratuita. A matriz energética do petróleo, além de estar baseada na extração de recursos não renováveis, gera resíduos tóxicos para o meio ambiente e sua combustão é responsável pelos gases poluentes na atmosfera. 

Hidrobras é uma manifestação de duas frentes centrais da pesquisa de Jarbas Lopes: as tramas – e estamos falando aqui de sociabilidades, tramas sociais, interações, diálogos, debates – e a vertente gráfica. O trabalho consiste na distribuição gratuita de um desenho em marca d’água da nova empresa pública, impresso em relevo sobre papel. A ação foi realizada inicialmente na exposição Gira, individual do artista no Museu de Arte do Rio (MAR), de junho a outubro de 2022, e agora terá nova tiragem realizada presencialmente pelo artista na bancada da revista celeste na SP-Arte 2024 e distribuída para o público. 

O prelo disponibilizado pelo artista para a ação é um equipamento de sua Gráfica e Editora KD, lugar de pesquisas e experimentações com maquinário e técnicas de impressão desde 2012. Como em projetos de invenção, como a sua consagrada série Ciclovia Aérea (2001-23), a ação Hidrobras se equilibra entre as terras do imaginário e os ares do possível. Aqui, propondo “ideias que geram movimento”, o acrobata Jarbas Lopes desencadeia um movimento pela água como fonte não de energia de produção, mas sim de prazer e de vida.

 

Serviço
Hidrobras
Bancada da revista celeste na SP-Arte 2024
3 de abril de 2024, das 14h às 17h

 

Jarbas Lopes: eixos
Pina Estação
Até 31 de março de 2024