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80 anos do TEN no Sesc 14 Bis [Foto: Camila Ríos]
Postado em 21/10/2024 - 8:04
Fruto Estranho
Em cartaz no Sesc 14 Bis, Coletivo Legítima Defesa expande os limites da descolonização do fazer teatral

Mesmo após a campainha soar três vezes, o clima de ensaio permanece no palco do Teatro Raul Cortez. Com as coxias abertas e araras de figurinos à mostra, o Coletivo Legítima Defesa se mantém em cena o tempo todo e são sempre vistos pelo público, seguindo o pensamento do dramaturgo Augusto Boal: se estão fora do “tapete da memória”, estão fora de cena – e nunca se deve sair dele.

A livre inspiração dos textos de Abdias Nascimento e das peças escritas por Augusto Boal para o Teatro Experimental Negro (TEN) – o qual celebram 80 anos de sua fundação – concebeu a montagem do espetáculo teatral Exílio: notas de um mal-estar que não passa, por Eugênio Lima e Claudia Schapira, idealizado como uma cartografia do período de retiro voluntário de Abdias no final da década de 1960.

80 anos do TEN no Sesc 14 Bis [Foto: Camila Ríos]

Nesta colagem teatral/musical/audiovisual metalinguística, os trechos das peças são constantemente interrompidos por um “corta!” do diretor Eugênio, que age como se estivesse dirigindo um ensaio; e diversos comentários dos atores e atrizes, debatendo no campo político e poético o que acabaram de encenar. Ao contrário de contemplar o passado de forma saudosista, utilizam os materiais de pesquisas do TEN para reforçar o protagonismo negro na dimensão cultural, histórica e artística.

Como um mecanismo de contextualização histórica e imersão poética, o diálogo entre o coletivo e as projeções audiovisuais se desenvolve com fluidez. São documentos históricos, como cartas e depoimentos – de Léa Garcia, Ruth de Souza e do próprio Abdias Nascimento –, além de filmes, fotos e materiais pesquisados no IPEAFRO (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros) e Instituto Boal. 

Com a trilha sonora também viajamos pela trajetória da produção musical negra, tanto brasileira quanto estadunidense, com o hip hop dos anos 1980 e 1990, Racionais MC’s, tambores do candomblé e Billie Holiday – especialmente com a música “Strange Fruit”, que escancara a violência racial no sul dos Estados Unidos, um dos países do autoexílio do artista. Nas três estrofes, o tom dilacerante revela a brutalidade de uma realidade social em que ver corpos negros assassinados e pendurados em árvores é trivializado – violência retratada diversas vezes na peça. Violência duplicada, porque pressiona o sujeito negro a uma escolha impossível: “A grande tragédia do negro no Brasil é o processo de embranquecimento, porque ou ele deixa de ser negro e morre ou permanece negro e é morto”, afirma o diretor. 

Exílio: notas de um mal-estar que não passa
Até 10 de novembro, de quinta a sábado, às 20h, e, aos domingos, às 18h
Sesc 14 Bis – Rua Dr. Plínio Barreto, 285, Bela Vista – São Paulo

80 anos do TEN no Sesc 14 Bis [Foto: Cristina Maranhão]