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Frame de Inercia (2009), de Ivan Candeo [Foto: Divulgação]
Postado em 01/12/2011 - 5:44
Geopolítica das artes
Oitava edição da Bienal do Mercosul faz foco certeiro na discussão de territórios e nacionalidades

Bandeiras, mapas, documentos, hinos, discursos oficiais e outros símbolos associados à identidade de uma nação estão por toda parte nesta oitava edição da Bienal. Isso levou muita gente a considerá-la redundante, em comentários que se repetiram pelo Cais do Porto na abertura e nos primeiros textos publicados na imprensa. Para além do consenso da “bienal das bandeiras”, esta exposição aguarda, entretanto, uma leitura mais concentrada e comprometida com o contexto onde se realiza.

Dividida em sete componentes (Geopoéticas, Cadernos de Viagem, Além Fronteiras, Eugenio Dittborn, Cidade Não Vista, Continentes e Casa M), a Bienal do Mercosul apresenta no Cais do Porto sua carta de intenções: a mostra Geopoéticas. Ela reúne obras de 59 artistas (latino-americanos, em sua maioria) e explora a volatilidade dos limites geográficos, as sobredeterminações econômicas e as novas configurações políticas do mundo atual.

Eduardo Aragón registrou, em 13 pontos fronteiriços do município mexicano de Ocotlán de Morelos, músicos executando uma marcha fúnebre. Cada um deles está de pé sobre um marco da fronteira (pedras chamadas mojoneras), o que resulta em um concerto desencontrado pela sobreposição do som de instrumentos tocados a quilômetros de distância entre si. O vídeo Inércia (2009), de Iván Candeo, mostra um ciclista pedalando sobre uma esteira, sem nunca sair do lugar, diante de um mural de cerâmica do venezuelano Winston Salas, que retrata Simón Bolívar e outros símbolos nacionais latino-americanos.

Na instalação Não Notamos Distúrbios, Todos Estão Felizes e São Amigáveis (2010), Kajsa Dahlberg expõe uma coleção de 500 cartões-postais. Enviados de Jerusalém para a Suécia ao longo de oito décadas com mensagens que relatam o conflito com a Palestina. Paulo Climachauska apresenta bandeira, cartografia e passaporte do Complexo do Alemão, território autônomo até as recentes ações do Estado do Rio de Janeiro para retomar o controle sobre o conjunto de 13 favelas na cidade carioca. Voluspa Jarpa edita em dois volumes arquivos desclassificados (que perderam o estatuto de secretos) da CIA sobre a América Latina que revelam, à maneira de um WikiLeaks analógico, como não há fronteiras para os serviços de inteligência dos EUA.

Enquanto as fronteiras se dissolvem e se reafirmam diante dos nossos olhos, algumas reflexões sobre o mundo da arte se impõem: de que adiantou extinguir as representações nacionais na Bienal de São Paulo se a relevância de toda bienal continua sendo medida pela representatividade de diferentes nacionalidades? Qual o sentido de associar um país de origem ao nome de cada artista em um contexto de fluxos migratórios e hibridação sem precedente histórico? Coco Fusco responde com o vídeo Els Segadors (Os Ceifadores, 2001), convocando atores e atrizes de Barcelona para interpretar canções catalãs tradicionais, como o hino (que dá título à obra), e entrevistando-os sobre estereótipos da identidade.

Sim, há uma certa redundância no excesso de obras com bandeiras e hinos na 8ª Bienal do Mercosul. Mas, conforme afirmou o antropólogo argentino radicado no México Néstor García Canclini no simpósio que integrou o evento, uma ética descritiva é fundamental em um mundo desorganizado como o nosso. Vivemos tempos tão confusos que uma bienal talvez não possa se dar ao luxo de sutilezas e nuances demais.

*Crítica publicada originalmente na selecT #02