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Postado em 22/06/2012 - 4:32
House, na alegria e na tristeza
Após oito anos de charadas médicas e existenciais, último episódio da série dramática norte-americana vai ao ar
Juliana Monachesi

As cinco primeiras temporadas foram de ficar vidrado na televisão desde a véspera da noite em que House ia ao ar. Seriado médico mais atípico, impossível – sem dilemas de vida ou morte em volta da mesa de operação, mas cheio de dilemas de vida ou morte nas frágeis relações humanas entre os principais personagens da série -, tinha todos os ingredientes para se tornar cult: politicamente incorreto, com protagonista crápula, texto impecável, citações eruditas e pílulas de densa filosofia de vida. Mas também tinha muito para dar errado. A rotina de trabalho retratada no hospital Princeton-Plainsboro Teaching Hospital era repleta de abusos e humilhações, os hábitos do personagem principal Gregory House M.D. eram o oposto pra lá de exemplar de saudável, e, o roteiro, entulhado de tecnicismo médico impossível de acompanhar.

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Venceu a inteligência. A série nunca precisou deslocar um centímetro o diapasão ético ou estético de seus princípios originais. Talvez justamente por isso, por não mudar, caiu em uma impredizível mesmice nas temporadas 6 e 7. E só voltou a tomar força agora, nos episódios finais da temporada derradeira. O mais impressionante é que o motivo mesmo de o seriado ter caído na mesmice foi exatamente o que o redimiu no fim. A repetição da fórmula House-flerta-com-os-extremos-da-autodestruição-para-resolver-seus-casos tinha rendido o ápice da série, a sequência de episódios em que Amber Volakis (então mulher de Wilson, o melhor amigo do nosso anti-herói) e House sofrem um acidente que causa nele uma amnésia seletiva medicamente raríssima  – e dolorosamente reversível – e nela um coma que a leva a outro hospital, como vítima de identidade desconhecida, e depois à morte (House’s Head / Wilson’s Heart / Dying Changes Everything), no final da quarta temporada e início da quinta.

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No último episódio da série, a fórmula “bate-papo com o inconsciente” voltou a render…

Tentaram recriar o clima viagem-ao-redor-do-quarto-escuro-da-minha-mente-brilhante daquela sequência de episódios várias vezes, sem sucesso. Overdose, auto-cirurgia-de-mutilação, atentado ao hospital e outros subterfúgios para encenar alucinações gregoryanas foram gravadas e rechaçadas pela diminuição de audiência e de prestígio da série, afinal, qualquer criança sabe que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. E esta era uma série que sobrevivia da verossimilhança dos casos médicos mais estapafúrdios. Mas não é que o desfecho de House contou com vários bate-papos do médico com seu inconsciente – na forma dos finados Kutner e Amber, e das ex-paixões Stacy e Cameron – que pareceram completamente plausíveis?

O toque de gênio não está aí, entretanto, e sim na moral da história do final surpreendente, tanto do ponto de vista da trama quanto – e sobretudo – da coerência narrativa. Wilson tem cinco meses de vida (ironias do destino, o oncologista tem câncer terminal). E o egoísta e aproveitador pseudo-melhor-amigo dele, Gregory House, cuja única razão de viver era emplacar um xeque-mate atrás do outro na disputa de xadrez com os limites conhecidos da ciência médica, abre mão de tudo o que conhece como vida (e olha que a vida era precária mesmo assim, não importando que dose cavalar de hidrocodona ele estivesse tomando) para tomar a primeira atitude altruísta de sua existência: curtir com Wilson o tempo que resta. Ok, não foi propriamente altruísta, o amigo nunca fez o tipo selvagem de motocicleta… O motoqueiro malvado de bengala é (e para todo o sempre será) House.

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