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Frame de Diário (2015), vídeo de Marilá Dardot realizado durante residência no México (Cortesia Marilá Dardot)
Postado em 05/11/2015 - 8:22
Imersos em poeira e nuvem
Curadoria de Luisa Duarte tem caráter de resistência ao buscar ativar conteúdos amortecidos entre escombros. Sem apologia da ruína
Paula Alzugaray

Quarta-feira de Cinzas, a terceira exposição do projeto Curador Visitante da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, abriu para o público na quarta-feira fatídica em que o Brasil perdeu o grau de investimento na classificação de crédito da Standard & Poor’s. Está claro que esta foi apenas uma ironia do destino. A pesquisa que a curadora Luisa Duarte desenvolve sobre a incerteza e a fragilidade humana tem fundamentos filosóficos de outra densidade e seu interesse está justamente no revés de uma época “que faz o elogio incessante da ‘eficácia’, da ‘competência’, da ‘agilidade’”, segundo escreve em seu texto curatorial.

Enquanto os efeitos daquela quarta-feira abatiam mercados, desvalorizavam moedas e derrubavam Bolsas Brasil afora, a Quarta-feira de Cinzas montada no Parque Lage levantava poeira de ruínas já instaladas no mundo contemporâneo há muito mais tempo. E 1938 é a data do poema Elegia, de Carlos Drummond de Andrade, eleito por Luisa Duarte como uma das bases de seu processo curatorial e incluído no corpo de obras da exposição em versão declamada por Caetano Veloso.

A exposição tem um caráter político de resistência a um estado das coisas que, no Brasil, definitivamente chegou a um cul de sac. Remexe os escombros do que Drummond anotou como “um mundo caduco” para o qual se trabalha sem alegria. Volta-se às rachaduras que desafiam a inércia de um “tempo fadado à repetição”, funcionando, portanto, como um “niilismo ativo” – expressão que a curadora toma emprestada de Nietzsche.

Ainda que a tonalidade predominante da exposição seja o cinza – o que lhe empresta uma frequência francamente melancólica –, temos cerca de 40 obras de 22 artistas que deflagram ações de resistência e reconstrução. No branco e preto das fotografias de Claudia Andujar (Construção de Brasília, 1965) e de Mauro Restiffe (Espéria #1), ou da escultura de pó e concreto de Nicolás Robbio, há a menção à ruína do projeto de progresso do modernismo. No cinza do muro sobre o qual Marilá Dardot escreve com água frases extraídas de chamadas de jornais (Diário, 2015), há relativização das verdades impostas pelo tempo do capital. O mesmo comprometimento mostra Matheus Rocha Pitta (Mão no Fogo, 2015), ao expor nas paredes da Gruta do parque sua coleção de recortes de jornais sobre casos sórdidos de corrupção. Com coragem e visceralidade, Quarta-feira de Cinzas toca com urgência nas feridas de seu tempo.

Quarta-feira de Cinzas até 8/11, EAV Parque Lage, Rua Jardim Botânico, 414, Rio de Janeiro

*Publicado originalmente na #select26