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Detalhe da pintura Prosperidade (2022), de Pedro Neves, que integra a mostra Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro [Foto: cortesia Instituto Inhotim]
Postado em 15/12/2022 - 2:36
Inhotim retira obra de Maxwell Alexandre da mostra Quilombo
Em nota oficial enviada hoje, às 20h55, instituto afirma que a pintura da série Novo Poder não estará mais exposta a partir de 7/12; leia o comunicado na íntegra

O Instituto Inhotim, assim como todos os museus, tem a obrigação de refletir e atuar em relação às questões do seu tempo. Por meio de um processo em andamento, a instituição vem, nos últimos anos, estabelecendo diálogos e ações para ampliar a diversidade em sua coleção e sua programação.

Depois de muitas discussões internas e com colaboradores externos frente a questões necessárias para o futuro das instituições museológicas, o Inhotim se posiciona oficialmente por meio desta nota em relação aos recentes acontecimentos envolvendo a exposição Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro, e manifesta, num espírito de conciliação, sua intenção de, a pedido do artista, retirar da exposição a obra sem título, da série “Novo Poder” (2021), de Maxwell Alexandre. Tod_s _s artistas da exposição foram comunicad_s sobre a retirada da obra, bem como sobre os encaminhamentos a serem dados a partir desta mudança. A retirada da obra seguirá um cronograma que se estenderá pelos próximos dias, de acordo com a área de Conservação do Inhotim. Sendo assim, a partir de quarta-feira, dia 7 de dezembro de 2022, a obra não estará mais em exibição na mostra da Galeria Lago.

Como parte da construção de outras práticas institucionais atentas às necessidades d_s artistas, convidamos _s artistas integrantes da exposição Quilombo: vida, problema e aspirações do negro para a realização de um encontro, em 2023, no Inhotim, para escutar as críticas, os desejos e as ideias no intuito de formular um conjunto de recomendações para melhorias nas práticas institucionais.

Para além dos debates suscitados nas últimas semanas nas redes sociais, achamos importante trazer ao conhecimento público algumas considerações contextuais sobre a organização da exposição e o programa geral de 2021-2023.

Sobre o processo curatorial
Nos últimos dois anos o Inhotim abriu, ainda que tardiamente, uma frente de pensamento e reflexão com a aquisição de um número significativo de obras de artistas negr_s. Essas aquisições agora constituem uma parte relevante da coleção e, com isso, demandam uma mudança das narrativas que a instituição constrói ao redor do seu acervo. Esse processo começou gradualmente em 2021 quando, simultaneamente, em uma iniciativa sem precedentes em seus 15 anos de história, Inhotim iniciou uma parceria com o Ipeafro para abrigar sua coleção de arte e seu arquivo, ao longo de dois anos de exibições sobre a vida e os múltiplos legados de seu fundador, Abdias Nascimento.

As recentes aquisições para a coleção incluem obras de artistas como Rosana Paulino, Arjan Martins, Panmela Castro, Antonio Obá, bem como a obra de Maxwell Alexandre, sem título, da série “Novo Poder” (2021). Adquirida por Bernardo Paz por intermédio da galeria A Gentil Carioca em dezembro de 2021, e cedida ao Inhotim em regime de comodato, a obra foi exibida pela primeira vez na mostra Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro, aberta em 19 de novembro de 2022, na Galeria Lago. O título da exposição é uma referência direta ao jornal Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro, editado pelo Teatro Experimental do Negro, dirigido por Abdias Nascimento e publicado entre 1948 e 1950. Em suas dez edições, a publicação trouxe uma série de textos, notas e artigos escritos por intelectuais negros, artistas e profissionais. O jornal se consolidou por meio do anseio de transformação social como um veículo de esperança, reunindo um conjunto de aspirações e de projetos de futuro.

A exposição foi concebida durante este ano a partir destas aquisições, algumas muito recentes, e assim que o projeto curatorial da exposição foi definido, e a galeria liberada, todos os artistas participantes, incluindo Maxwell Alexandre, foram comunicados oficialmente por e-mail e convidados para a abertura.

A mostra traz obras de 32 artistas e um coletivo: Aline Motta, Ana Elisa Gonçalves, Antonio Obá, Arjan Martins, Desali, Elian Almeida, Erica Malunguinho, Eustáquio Neves, Gustavo Nazareno, Januário Garcia, Juliana dos Santos, Kika Carvalho, Larissa de Souza, Lita Cerqueira, Moisés Patrício, Mulambö, Nacional Trovoa, No Martins, O Bastardo, Panmela Castro, Paulo Nazareth, Pedro Neves, Peter de Brito, Rafael Bqueer, Robinho Santana, Ros4 Luz, Rosana Paulino, Sidney Amaral, Silvana Mendes, Tiago Sant’Ana, Wallace Pato, Yhuri Cruz, Zéh Palito.

Ess_s artistas representam uma força coletiva e uma nova vanguarda artística que está mudando a paisagem institucional e museológica no Brasil. Uma coletividade que se sustenta a partir de redes de colaboração e trocas, assim como a partir de um olhar crítico sobre raça, gênero e representatividade. Esses trabalhos, no entanto, não se limitam apenas a estes temas nas pesquisas artísticas, que se mostram múltiplas e diversas.

Sobre o programa 2021-2023 
A parceria firmada com o Ipeafro para o programa Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra, que teve início em 2021 e se estenderá até 2023, é baseada na realização de quatro exposições na Galeria Mata, concebidas em co-curadoria com o Ipeafro, em uma colaboração inédita na história do Inhotim. Além das exposições produzidas no marco desta parceria, a diretoria artística, junto com a equipe curatorial, decidiu progressivamente ocupar as galerias temporárias com exposições que desdobram os diversos legados de Abdias Nascimento, em diálogo com aquisições recentes da coleção.

Neste momento, além das exposições que inauguraram no dia 19 de novembro, a instituição conta com uma mostra individual do artista Isaac Julien com a instalação de Looking for Langston (1989), um filme realizado por ele em parceria com o coletivo de cinema Sankofa; a obra Instalação de Birutas (2021), de Arjan Martins, foi adquirida para a coleção e instalada em Inhotim; e também em maio de 2022 foi inaugurada a ocupação da biblioteca com o artista Jaime Lauriano, com um projeto que concebe um espaço para a valorização dos conhecimentos, literaturas e do pensamento crítico afrodiaspóricos. Antes disso, em 2019, o Instituto comissionou a instalação do artista Rommulo Vieira Conceição, O espaço físico pode ser um lugar abstrato, complexo e em construção (inaugurada em 2021).

No que diz respeito à construção de galerias permanentes – processos longos, que demandam recursos financeiros, tempo e planejamento –, desde o início do ano, o Inhotim vem estabelecendo diálogos com artistas brasileiros e internacionais para também garantir a presença de artistas da África e de suas diásporas cujas práticas estão contribuindo de modo significativo para a arte contemporânea nas suas diversas frentes discursivas.

Sobre os próximos passos
O Inhotim, em seu compromisso de continuar trabalhando na construção de uma instituição que atende às urgências de seu tempo, não apenas no discurso, mas também em ações, continuará o debate em torno do pensamento de Abdias Nascimento, alinhando os próximos programas e aquisições da instituição a essas importantes transformações sociais e discursivas. Dessa forma, o Inhotim se compromete em trabalhar por uma presença mais significativa de artistas negr_s nos programas, exposições e galerias, pela ampliação da diversidade em cargos decisórios, na formação de funcionári_s, pela exposição das novas aquisições em um programa curatorial que estimule o debate, pela circulação dessas obras como empréstimos para outras instituições artísticas no Brasil e no mundo.

A força do coletivo foi central nas lutas empreendidas por Abdias Nascimento em diversas frentes: o Teatro Experimental do Negro, o Museu de Arte Negra e o jornal Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro atestam esse contexto, assim como esta exposição que, sob o mesmo título, aborda, a partir de diferentes perspectivas, os desafios enfrentados hoje.