icon-plus
Infraestrutura travestida, Floresta da Tijuca, Rio de Janeiro, 2025 © Fundação Bienal de São Paulo
Postado em 07/05/2025 - 5:12
Inteligências futuras
Bienal de Arquitetura empreende exercício de ficção especulativa para responder ao colapso climático; celeste entrevista o Plano Coletivo, grupo curador do Pavilhão do Brasil

Abre neste sábado, 10/5, a 19ª Mostra Internacional de Arquitetura – La Biennale di Venezia. O Pavilhão do Brasil, que ganhou o Leão de Ouro na bienal de 2023, tem nesta edição curadoria do Plano Coletivo, formado pelos arquitetos Luciana Saboia, Eder Alencar e Matheus Seco. Em entrevista à celeste, o trio detalha o projeto expositivo, que almeja cartografar práticas arquitetônicas de reciclagem e reuso, e refletir sobre uma concepção mais abrangente de projeto, que repense a forma de habitar o planeta coletivamente. 

Sob o título Intelligens. Natural. Artificial. Coletiva., a Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano pretende apontar soluções para um mundo transformado pelo colapso ambiental. Lemos no statement do curador geral, Carlo Ratti, que a resposta da arquitetura à crise climática durante décadas se centrou na mitigação — “projetar para reduzir nosso impacto no clima”, mas esta seria uma abordagem ineficiente. “Chegou a hora de a arquitetura abraçar a adaptação: repensar como projetamos para um mundo alterado.”

Entre os projetos que integram a curadoria geral está Terra Preta, assinado coletivamente por Nixiwaka Yawanawa, André Corrêa do Lago, Marcelo Rosenbaum, Fernando Serapião e Guilherme Wisnik. O projeto mobiliza conhecimento indígena e investigação científica para criação de soluções habitacionais sustentáveis. Também integra a curadoria o projeto Natural, Artificial, Collective São Paulo, do instituto Urbem (Carolina Bueno Andrade Silva, Milton Braga, Hugo Mesquita, Philip Yang, e Guilherme Wisnik). “Faremos parte do Pavilhão Central, na seção especial Intelligens CANON, dedicada a explorar como diferentes formas de inteligência (natural, artificial e coletiva) podem responder aos desafios contemporâneos. Apresentaremos uma visão de São Paulo como cidade-laboratório: complexa, viva, contraditória e cheia de possibilidades. Em um vídeo produzido para a ocasião, vamos mostrar como a inteligência coletiva da nossa cidade pode inspirar novas formas de pensar o futuro urbano”, informa o Instituto Urbem em suas redes sociais.

Vista da instalação no Pavilhão do Brasil na 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza, parte da exposição (RE)INVENÇÃO © ReportArch / Andrea Ferro Foto / Fundação Bienal de São Paulo
Vista da instalação no Pavilhão do Brasil na 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza, parte da exposição (RE)INVENÇÃO © ReportArch / Andrea Ferro Foto / Fundação Bienal de São Paulo

PLANO COLETIVO 

Sobre a seleção do projeto contemplado, a Fundação Bienal de São Paulo divulgou que estabeleceu um comitê composto por representantes do Ministério da Cultura, Ministério das Relações Exteriores, Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e da própria fundação, que apontaram alguns nomes de destaque no meio para apresentarem propostas expositivas e, posteriormente, também elegeram a vencedora. Segundo Andrea Pinheiro, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, “a escolha do Plano Coletivo, realizada de forma colegiada com nossos correalizadores e especialistas, reforça o comprometimento da Fundação Bienal de São Paulo em dialogar com questões que respondem ao nosso tempo, nesse caso a partir de um pensamento arquitetônico que dialoga profundamente com questões sociais e ambientais. Essa equipe traz uma perspectiva empenhada e capaz de representar as diversidades e complexidades do Brasil frente ao cenário global”.

O Plano Coletivo é um grupo de arquitetos, professores e pesquisadores que possuem interesses e formações diversos e colaboram de forma livre em torno de dois objetivos comuns: discutir o território urbano como narrativa crítica e refletir sobre arquitetura como ação socioambiental. Leia a seguir a entrevista que o coletivo concedeu, por e-mail, à celeste.

Vista da instalação no Pavilhão do Brasil na 19ª Bienal de Arquitetura de Veneza, parte da exposição (RE)INVENÇÃO © ReportArch / Andrea Ferro Foto / Fundação Bienal de São Paulo

De que maneiras a curadoria do Pavilhão do Brasil dialoga com o conceito geral da Bienal de Arquitetura 2025? A proposta brasileira responde à provocação da curadoria geral sobre “formas de conhecimento ancestrais e contemporâneas”, mas não parece compartilhar o foco em inteligências natural, artificial e coletiva: como pretendem abordar as inteligências artificiais?

Ao descrever a proposta curatorial geral da Bienal, Carlo Ratti apresenta um entendimento que compartilhamos com ele sobre as diferentes formas de conhecimento ou “inteligência”. A combinação entre elas, segundo Ratti, sugere uma inteligência futura que ainda não existe, na busca de transcender justamente os limites da IA (Inteligência Artificial) como a vemos hoje, “promovendo inclusão e imaginação”.

Uma das definições sobre a IA generativa nos permite vê-la como um meio de potencializar a “inteligência humana” e aprender a partir de vastos conjuntos de informações, além de processar grandes volumes de dados de forma rápida e precisa. Por outro lado, a imaginação e o desejo de inclusão mencionados por Ratti, ao nosso ver, são características intrinsecamente humanas. Assim, acreditamos que a reflexão sobre o conhecimento encapsulado nas relações entre cultura e natureza, ocupação amazônica ancestral e sua relação com a cidade brasileira contemporânea podem ser uma contribuição valiosa para a elaboração dessa “inteligência futura” a que se refere Carlo Ratti, pensando-a como uma forma de sinergia entre duas formas de inteligência, humana e artificial.

Ao opor conhecimentos arquitetônicos “ancestrais” a “contemporâneos”, a curadoria não enquadra em outra dicotomia o impacto dessas inteligências? Refiro-me à “inteligência coletiva” correspondendo ao manejo do espaço pelos povos originários e a “inteligência natural” às escolas arquitetônicas da atualidade. Haveria um terceiro caminho para superar essa polarização? 

Estamos cientes de que o trabalho de curadoria será sempre um recorte. Dessa forma, a ideia de sintetizar o tema da exposição em dois “atos” ou dois tempos, organizados nas duas salas do Pavilhão do Brasil, poderia exacerbar uma polarização entre duas realidades que são quase completamente distintas. Porém, em nosso caso, exploramos a ideia de poder encontrar possíveis pontos em comum na relação entre cultura e natureza no Brasil ancestral e na cidade contemporânea brasileira, tendo como fundo a busca por uma possibilidade equilibrada de coexistência. Buscamos transcender a análise de casos específicos para refletir sobre soluções aplicáveis a diferentes contextos, levando em conta suas contradições e potencialidades. Por isso, nossa intenção é justamente propor a reflexão sobre a busca por um “terceiro caminho” com base nas experiências que fazem parte do nosso legado cultural. 

A mostra do Pavilhão do Brasil em Veneza em 2023, que ganhou o Leão de Ouro de representação nacional, já abordava as sofisticadas soluções indígenas e quilombolas para questões de ocupação do espaço urbano e manejo da floresta, como a abordagem de vocês sobre a contribuição dos conhecimentos ancestrais avança neste debate proposto na curadoria de Gabriela de Matos e Paulo Tavares?

A curadoria de Gabriela de Matos e Paulo Tavares para a representação brasileira em 2023 propôs um debate importantíssimo sobre decolonização e sobre nossa conexão com nosso “chão”, nossa terra. Gabriela e Paulo apresentaram vários exemplos de histórias que não foram contadas ou sequer eram consideradas como “arquitetura”. Em nosso caso, podemos dizer que partimos dessa reflexão para explorar as recentes descobertas arqueológicas de infraestruturas ancestrais do território amazônico como uma imensa fonte de aprendizado sobre a ideia de “equilíbrio” entre homem e natureza. Talvez nossa principal contribuição seja partir disso para propor uma reflexão sobre a cidade brasileira contemporânea para considerar suas contradições e questionar condições socioambientais. Focamos nosso olhar na possibilidade de reconhecimento e valorização de estratégias e operações projetuais “encapsuladas” na engenhosa produção existente, herdada ou apropriada.

Retrato de Eder Alencar, Matheus Seco e Luciana Saboia [Foto: Maressa Andrioli]