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Vista da exposição (Foto: Cortesia Almeida e Dale)
Postado em 27/07/2021 - 4:42
Irradiação de calor e urgência
Terra e Temperatura propõe lógica fractal para leitura de relações entre 90 obras de 30 artistas brasileiros

Com as revoluções das políticas identitárias e das lutas por igualdade – indígenas, racializadas, hiperpotencializadas hoje –, qualquer tentativa de reelaboração da história brasileira a partir de uma ficção de identidade nacional é redutora e anacrônica. Partimos dessa premissa ao discorrer com surpresa e interesse pelos múltiplos vieses da abordagem que Terra e Temperatura, com curadoria de Germano Dushá, faz do imaginário social brasileiro, na Almeida e Dale Galeria de Arte.

Comecemos pelo texto curatorial, uma obra literária per se, que faz as palavras borbulharem na página do folder da mostra como água em ebulição. Entre cadeias de sentidos enlaçados, os conceitos se organizam e desorganizam como as massas, as formas e as cores do corpo de obras expostas: “Viram plantas, viram bichos, viram gente ou logo ascendem em encantaria”. O texto de Dushá sugere a leitura da exposição como um desenho de fractais. Aplicado esse princípio geométrico à curadoria, entendemos que as cerca de 90 obras de 30 artistas de diferentes épocas e regiões se relacionam aqui como ecos umas das outras; partes individualizadas que repetem traços e padrões de um todo discursivo.

O princípio de “complexidade fractal” proposto por Dushá equivaleria, a distância, ao pathosformel (fórmula do pathos ou fórmula da emoção), do historiador Aby Warburg para a análise da história da arte, aproximando eventos distantes no tempo e no espaço a partir da carga emocional empregada na formulação das obras. Assim, não existe em Terra e Temperatura nenhum conceito que abarque de imaginário tão heterodoxo, mas é possível discernir as qualidades de êxtase, urgência e calor nas relações entre as obras.

Há irradiações, por exemplo, entre as matérias moles que compõem os Transportáveis (2002-2003), de Artur Barrio; a escultura da série Cobrinhas (2013), de Anna Maria Maiolino; a escultura de costuras, amarrações e arames (2004), de Sonia Gomes; e o bordado de lã em estopa (s.d), de Madalena dos Santos Reinbolt. Esse trajeto leva a novas bifurcações de sentidos, quando toca a pintura Manacá (1927), de Tarsila do Amaral; a escultura em pedra-sabão da série Mimesmas (2016), de Solange Pessoa, que elabora a forma do caracol; a escultura em ferro fundido de Paulo Monteiro (2015), que alude à densidade matérica da tinta a óleo; à escultura Boomerang (1979), de Ivens Machado, em concreto armado e caco de vidro; ou aos corpos torcidos dos animais esculpidos em madeira por Artur Pereira (s.d). Das amizades e desafetos resultantes desses encontros, compreendemos a “ultravitalidade” de nosso imaginário social.

Sem Título (Morfológicas), 2014, de Tunga (Foto: Cortesia Almeida e Dale)

Terra e Temperatura
até 31/7, Almeida e Dale Galeria de Arte, Rua Caconde, 152, São Paulo