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Postado em 15/02/2023 - 5:21
Lançamento da Red List Brasil em noitada feminista
Documento elaborado pelo Conselho Internacional dos Museus ajuda no combate ao tráfico ilegal de bens culturais

Foi lindo. Noite da arte, dos museus e das mulheres no poder. Foi lindo assim o lançamento, ontem, 14/2, no Museu da Língua Portuguesa, da Lista Vermelha Brasil, documento elaborado pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM) que relaciona e tipifica bens culturais vulneráveis com o objetivo de proteger o patrimônio cultural do país. Conhecida internacionalmente como Red List, a publicação – que já existe em outros 57 países –, devidamente distribuída a autoridades policiais e alfandegárias do mundo inteiro, vai coibir a retirada ilegal de fósseis, arte sacra, mapas, livros raros e peças etnográficas e arqueológicas do Brasil. Em noite de fortes emoções, o funcionamento da Red List Brasil e sua importância foram apresentados por mulheres ilustres: a Ministra da Cultura, Margareth Menezes; a presidente global do ICOM, Emma Nardi; a presidenta do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Fernanda Castro; a diretora do departamento de proteção do patrimônio no ICOM, Sophie Delepierre; a presidenta do ICOM Brasil, Renata Motta; a perita em Direito Internacional do Patrimônio Cultural e responsável pela coordenação técnica da Red List Brasil, Anauene Soares; a Secretária de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, Marília Marton; e a diretora do ICOM Brasil, Roberta Saraiva Coutinho, para ficar apenas nas principais protagonistas.

Para fazer a Red List Brasil – a Lista Vermelha de Objetos Culturais Brasileiros em Risco – foram oito anos de pesquisa, interlocução com especialistas de órgãos governamentais responsáveis pelas áreas afins (paleontologia, arqueologia, museologia etc.), além da parceria e apoio mútuos entre a sede francesa do ICOM e o comitê brasileiro da instituição. Segundo a coordenadora técnica do projeto, Anauene Soares, em coletiva à imprensa que precedeu o lançamento, a seleção dos 39 itens que integram a lista final teve como critérios os objetos mais visados pelo tráfico ilegal; o estabelecimento de tipologias que podem auxiliar os profissionais envolvidos no reconhecimento de um grupo de objetos semelhantes, em vez de apenas um item específico; e a consolidação de uma lista de leis, acordos bilaterais e outros instrumentos legais nacionais e internacionais que protegem os bens culturais elencados. “A publicação de uma Red List depende destes três fatores: que o patrimônio cultural esteja em situação de vulnerabilidade, que exista demanda do mercado ilegal e que o país possua uma legislação robusta que protege esses bens”, afirma Emma Nardi, presidente do ICOM global.

Sophie Delepierre, do departamento de proteção do patrimônio no ICOM, fornece um exemplo prático da efetividade da lista: “No ano passado, acompanhamos uma investigação na Holanda de evasão ilegal de fronteira de um item que consta da Red List Iraque. O agente alfandegário holandês inspecionou a bagagem de alguém que tentava entrar no país com um conjunto de objetos e desconfiou de uma estatueta que o viajante trazia. A pessoa não tinha a devida documentação de origem dos itens e foi responsabilizada por tráfico ilícito. Este agente de alfândega suspeitou que poderia se tratar de um bem cultural protegido porque conhecia a imagem de uma estatueta muito semelhante àquela da Lista Vermelha Iraque”, conta Delepierre à seLecT_ceLesTe na coletiva. Por levantar essa “bandeira vermelha” é que a Red List é tão eficaz: o documento serve para instrumentalizar os agentes federais a reconhecer objetos suspeitos e tomar as devidas providências, embasados nas respectivas legislações de proteção de cada país de origem.

Conquista brasileira
Já no lançamento, após as falas emocionadas das mulheres à frente da iniciativa, a ministra Margareth Menezes encerrou as celebrações dizendo, primeiramente: “O Brasil é o 26º na lista de países com maior número de objetos culturais roubados, que têm uma taxa de recuperação extremamente baixa. A Red List é uma conquista importante brasileira, que atuará de forma complementar às ferramentas do Ibram e do IPHAN na proteção do nosso patrimônio cultural. O tráfico ilícito de bens culturais mexe com o testemunho do processo civilizatório do nosso povo.” Menezes anunciou a criação de um Comitê Nacional de Combate ao Tráfico Ilegal de Bens Culturais e felicitou os presentes dizendo que a Red List Brasil é lançada no momento em que o Ministério da Cultura volta a assumir seu papel, salientou a importância da preservação da memória para que seja possível construirmos o futuro. Agradeceu ao Museu da Língua Portuguesa pela exposição dedicada aos povos originários, “o Brasil precisa reconhecer cada vez mais as maravilhas que esse povo com tanto sangue derramado fez e faz para preservar as suas culturas até o momento em que, simbolicamente, temos agora o Ministério dos Povos Indígenas”, e prometeu trabalhar para fincar as raízes da cultura no Brasil para que nunca mais o Ministério da Cultura saia do lugar.

Finalizou o discurso de sua primeira agenda oficial em São Paulo como ministra, declamando (quase cantando), “Gigante pela própria natureza / És belo, és forte, impávido colosso / E o teu futuro espelha essa grandeza / Terra adorada / Entre outras mil / És tu, Brasil / Ó Pátria amada! / Dos filhos, das filhas desse solo, és mãe gentil / Pátria amada, Brasil! Viva a cultura do Brasil”. Margareth Menezes, grande, imensa, devolveu-nos ontem o hino nacional, junto com o orgulho de testemunhar a virada feminista no campo museal.