O meme, conceito cunhado pelo zoólogo e escritor Richard Dawkins, em 1976, no livre The Selfish Gene (O Gene Egoísta), é uma das formas contemporâneas de comunicação direta com o outro. Tal como um vírus, essas imagens são uma unidade de informação com grande capacidade de se multiplicar, propagando ideias de indivíduo para indivíduo, renovando-se em novos trends a cada dia. Longe de estarem restritos à cultura pop, são estratégias de posicionamento político e, aos poucos, vão sendo cooptados pela publicidade.
Esses arquivos da web narram a história do cotidiano, enfatizando a livre circulação de expressões sociais; são uma espécie de jornalismo em tempo real baseado em imagens. Nada escapa aos memes: a política nacional e internacional, o cotidiano das redes, o sistema da arte ou qualquer outra coisa pautada no tribunal da internet. A relação entre arte e meme estabelece uma circulação irrestrita entre informação, entretenimento e público, beneficiada pelo longo alcance dos posts e a simplicidade da mensagem, o que determina o engajamento. É assim que perfis de Instagram arriscam críticas sagazes ao mundo da arte, instituições e seus agentes, viralizando imagens que satirizam o sistema, fazendo uso do humor para lançar uma mensagem ácida e certeira sobre o funcionamento do circuito cultural.
@newmemeseum é um desses perfis. Criado em julho de 2020, partiu de uma ação despretensiosa de compartilhar imagens para, hoje, ultrapassar a marca dos 200 mil seguidores. Administrado por um coletivo anônimo, o objetivo inicial da conta era hospedar memes. “Apesar de sermos consumidores desse tipo de linguagem, não tínhamos familiaridade com a sua elaboração. Conforme as coisas foram andando, começamos a criar conteúdos baseados em nossas experiências pessoais e nas questões observadas no cenário da arte brasileira”, conta o coletivo à seLecT. No meio artsy, os memes publicados que trazem assuntos como o sexismo nas instituições brasileiras, a predominância de pessoas brancas em altos cargos na arte, a cadeia produtiva “artista-curador-galerista”, entre outras discussões, viralizam com frequência, reunindo estudantes, artistas, educadores, jornalistas, curadores, galeristas, produtores culturais e diretores em torno da mesma causa: rir (para não chorar) das hipocrisias do sistema.

FOLCLORE DIGITAL
A mesma lógica estende-se para o perfil @freeze_magazine, nome paródia da revista e feira de arte britânica Frieze, administrado pelo artista visual independente e curador europeu Cem A. Algo entre um projeto de arte e uma plataforma, a conta foi iniciada em setembro de 2019 pela vontade do artista, também despretensiosa, de fazer memes. “Estava frustrado com as desigualdades do mundo da arte e tentando conseguir um emprego. Agora trabalho como assistente de curadoria e exponho de forma independente como artista, ironicamente, graças às oportunidades que a conta do Instagram criou”, revela em entrevista à seLecT. Os posts, que intencionam melhorar o sistema de dentro, em vez de rejeitá-lo, caracterizam-se como uma “zombaria amigável” sobre a alienação no mundo da arte por meio de uma lente hiper-reflexiva e autodepreciativa. Cem está envolvido na criação de todas as imagens publicadas na conta, colaborando com amigos, colegas artistas, pesquisadores e organizações de memes.
MEMETERAPIA
O nome @jerrygogosian, mistura de duas personalidades poderosas na indústria artística – o crítico Jerry Saltz e o galerista Larry Gogosian –, também faz parte do grupo de perfis que usam o meme como ferramenta para criticar o trabalho no sistema da arte. Com autoria assinada pela artista e curadora estadunidense Hilde Lynn Helphenstein, o perfil de acesso privado está ativo desde 2018 e já possui mais de 100 mil seguidores. A artista iniciou a conta no Instagram como uma ”medida terapêutica”, buscando rir dos hábitos e das situações típicos do meio de arte. As postagens são mais direcionadas ao universo europeu e estadunidense, mas as críticas são tão boas quanto. Um dos assuntos recorrentes de Gogosian é como a vida e o trabalho não são separados na rotina do funcionário da cultura. Além do expediente, desenvolvimento de exposições, produção de obras e textos, o tempo que sobra é usado para investir em mais conhecimento e repertório; o estilo de vida torna-se capital social e as relações viram parte de uma rede de contatos – o networking.